sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Colapso da Parceria Transpacífica dá nova chance ao Brasil

O fim do acordo de comércio e investimentos conhecido como Parceria Transpacífica (TTP), rejeitado pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, dá uma oportunidade ao Brasil de retomar o processo de integração da América do Sul para evitar o surgimento de "uma nova linha de Tordesilhas" dividindo o subcontinente entre as zonas do Oceano Atlântico e do Pacífico, afirmou ontem o embaixador brasileiro em Washington, Sérgio Amaral.

Em palestra na Associação Comercial do Rio de Janeiro organizada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o ex-porta-voz do governo Fernando Henrique Cardoso observou que o Brasil não estava preparado para reagir à formação do novo bloco comercial. Com seu fracasso, terá mais tempo para redefinir suas políticas de integração e comércio exterior.

"A falta da TTP não nos faz mal nenhum. Não precisamos de uma nova linha de Tordesilhas na América do Sul", afirmou Amaral, citando o tratado que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha em 1494, dois anos depois da Descoberta da América por Cristóvão Colombo a serviço da coroa espanhola.

Agora, a divisão seria entre os países do Pacífico, com Chile, Peru e Colômbia, que se beneficiam do extraordinário crescimento econômico da Ásia, e os países do Atlântico, especialmente do Mercosul, que rejeitaram em 2005 a proposta dos EUA para criar a Área de Livre Comércio das Américas."O mercado do TTP na América do Sul está aqui", destacou.

"É o grande momento de acertar os ponteiros do Mercosul", destacou Sérgio Amaral. "Um grande problema é termos Brasil e Argentina alinhados na mesma direção - e hoje temos. Precisamos antes de tudo arrumar a casa, criar uma comunidade e convergência no nosso entorno."

Ao falar sobre As relações EUA-China como eixo de estruturação da ordem internacional, o embaixador comentou que, "como estes dois países são as grandes potências do século 21, a natureza da relação entre os dois vai forjar a nova ordem."

Sérgio Amaral não acredita que a China vá promover a subversão da ordem internacional que a permitiu ascender à condição de superpotência. Vai querer reformar. Que reformas? "Esta é a questão de US$ 1 milhão", ironizou o embaixador.

A ascensão das grandes potências ao longo da história gerou grandes conflitos como as guerras mundiais iniciadas pela Alemanha e a Guerra Fria entre EUA e União Soviética. Para evitar esses exemplos trágicos, a China aposta na "emergência pacífica".

Quando lançou seu programa de modernização econômica, em 1978, o dirigente chinês Deng Xiaoping pediu humildade e discrição. A China precisava acumular forças e riqueza para se afirmar naturalmente como grande potência.

O atual líder chinês, Xi Jinping, é "mais afirmativo", sinal de que a China já concluiu sua emergência e exige tratamento não discriminatório em todas as áreas. As prioridades de Xi são "os conflitos territoriais do Mar do Sul da China e a integração asiática através da economia chinesa, que tem 60% de seu comércio exterior com a Ásia", acrescentou o embaixador, que durante dez anos presidiu o Conselho Empresarial Brasil-China.

Em 2015, o presidente americano, Barack Obama, declarou que gostaria de ver "uma China pacífica, estável, próspera e responsável", lembrou Amaral, citando uma série de exemplos de cooperação: "As exportações dos EUA para a China dobraram", os dois países cooperam em segurança nuclear, nos acordos de Paris sobre o clima e sobre o programa nuclear do Irã, e discutem um tratado bilateral sobre investimentos."

A China faz uma "geopolítica da infraestrutura", argumentou Amaral, "planeja fazer investimentos de US$ 1,25 trilhão em obras da infraestrutura, uma nova Rota da Seda por terra da Ásia Central até a Europa e pelo mar do Mar do Sul da China até o Mediterrâneo, um corredor China-Índia passando por Mianmar", a ligação interoceânica por uma ferrovia na América do Sul e até mesmo um canal na Nicarágua para concorrer com o do Panamá.

Em vez de subverter a ordem econômica internacional criada pelos EUA a partir da Conferência de Bretton Woods, em 1944, raciocinou o embaixador, sem conseguir um voto à altura de seu poderio econômico, a China criou instituições-espelho do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, como o Banco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o Banco de Infraestrutura da Ásia.

Amaral entende que as relações EUA-China tem regras não escritas, como o compromisso mútuo de não ser o primeiro país a atacar para evitar uma guerra entre os dois países, que se enfrentaram dentro da Guerra da Coreia (1950-53), quando o Exército Popular de Libertação impediu a aliança liderada pelos EUA de unificar a Península Coreana sob o controle de Seul. Os chineses empurraram os americanos para baixo do paralelo 38º Norte, restaurando o status quo anterior à guerra.

Hoje o maior foco de tensão entre os dois países está no Mar do Sul da China, onde o regime comunista chinês tem conflitos territoriais com Brunei, Filipinas, Malásia, Taiwan e Vietnã, e os EUA estão preocupados com a livre navegação;

A participação da China em decisões internacionais é cada vez maior. "Que nova ordem será essa?", indaga o embaixador, respondendo em seguida: "Ordem multipolar: EUA, China, Europa, Rússia, Índia, Japão..." Não citou o Brasil como líder da América do Sul.

"Dois polos são mais significantes: EUA e China", analisou Sérgio Amaral. "Se prevalecer a cooperação, vai haver um reforço do multilateralismo. Com uma concorrência muito acirrada, haveria um enfraquecimento do sistema internacional como na Guerra Fria. Não se trata de um conflito ideológico, mas de aumentar a presença internacional da China."

Esses dois países "são fundamentais para o Brasil", que na opinião do embaixador deve tratar as duas grandes potências sem favoritismo. "O Brasil tem uma parceria política e econômica com a China para reformar o sistema de Bretton Woods. Com os EUA, compartilhamos valores. O mundo não é eurocêntrico, mas nós recebemos essa herança cultural."

A vitória de Trump não é problema para o Brasil, na visão do embaixador nos EUA: "Não sabemos ainda quais serão as políticas nem os nomes. Um de seus focos é o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte. A diferença de salários entre os EUA e o México não vai diminuir nem o embricamento das empresas americanas e mexicanas nas cadeias de produção."

Como o Brasil tem déficit no comércio bilateral e várias empresas brasileiras investem e geram empregos nos EUA, Amaral não antevê problemas com um governo Trump.

Nesta nova ordem mundial, o embaixador vê uma "perda da centralidade da Organização Mundial do Comércio (OMC) com fórum de negociações de liberalização comercial. Vai continuar monitorando o comércio e como mecanismo de solução de controvérsias, mas a liberalização avança em mega-acordos. O neorregionalismo é um grande desafio positivo para nós."

A OMC, na qual a política externa comercial brasileira sempre apostou suas maiores fichas, na expectativa de que seria o órgão adequado para romper o protecionismo agrícola dos países ricos perde importância com a rejeição à globalização econômica nos países ricos. Nos EUA de Donald Trump, "o universalismo da OMC é visto como o principal responsável pelo déficit comercial com a China".

Quinze anos depois da entrada da China na OMC, os países-membros devem reconhecer ou não que a China é uma economia de mercado. Se isso for aceito, os processos de dumping (cobrança de preços abaixo do custo de produção) contra a China ficarão muito mais difíceis.

Por ironia da história, hoje é a China comunista que defende a abertura comercial. A razão é simples, conclui o embaixador: "É a favor do livre comércio quem é competitivo."

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