quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Guerra do Yom Kippur acabou com o modelo econômico da ditadura

Há 43 anos, em 6 de outubro de 1973, começava a última guerra de vários países árabes contra Israel. Mais de 100 mil soldados cruzaram o Canal de Suez rumo à Península do Sinai, ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Foi a maior empreitada militar árabe da era moderna. A guerra provocou a primeira crise do petróleo e acabou com o modelo ecônomico da ditadura militar.

Sob a orientação política do então conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Henry Kissinger, os Estados Unidos fizeram a maior ponte aérea militar da história, entregando 22 mil toneladas de equipamentos militares a Israel no campo de batalha, duas vezes mais do que a União Soviética com seus aliados árabes, especialmente o Egito e a Síria.

Em 22 de outubro, os EUA e a URSS negociaram um cessar-fogo, mas Kissinger avisou a primeira-ministra Golda Meir que o governo americano não se importaria se Israel realizasse operações militares antes do início da trégua.

À noite e no dia seguinte, Israel cercou o III Exército do Egito no Sinai e estava prestes a aniquilar o inimigo quando a URSS entrou em alerta nuclear e ameaçou intervir na guerra, salvando o Exército do Egito. Dos cerca de 20 alertas nucleares da Guerra Fria, foi a única ameaça soviética de iniciar uma guerra atômica.

Isso não impediu que o presidente egípcio Anuar Sadat abandonasse a aliança com a URSS, se aproximasse dos EUA e visitasse Israel em 1977, abrindo caminho para as negociações que levaram ao Acordo de Paz de Camp David, a residência de verão do presidente dos EUA, em 1979.

Sadat sabia que era a única maneira de recuperar o Sinai. Pagou pela paz com a própria vida. Em 6 de outubro de 1981, durante a parada militar de comemoração do início da guerra, soldados ligados a grupos extremistas muçulmanos metralharam e mataram o presidente egípcio. O atual líder da rede terrorista Al Caeda, o médico Ayman al-Zawahiri participou da conspiração.

Mas o impacto imediato da Guerra do Yom Kippur. Em resposta ao apoio dos EUA a Israel, sob a liderança do rei Faissal, da Arábia Saudita, em 16 de outubro, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) iniciou um boicote à venda de petróleo aos EUA e aliados.

Começava a primeira crise do petróleo. Quando o embargo acabou, em março de 1974, o preço do petróleo tinha subido de US$ 3 para US$ 12. A alta de preços viabilizou a exploração em águas profundas, como no Mar do Norte e no mar territorial brasileiro, mas causou uma recessão mundial e longas filas nos postos de gasolina.

No Brasil, a crise do petróleo foi responsável, na minha opinião, pelo fim do modelo econômico da ditadura militar (1964-85), baseado em energia e mão de obra baratas, e a longo prazo do próprio regime de exceção. O Brasil nunca retomou as taxas de crescimento do pós-guerra, de 7% a 8% por ano em média.

Durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-74), o período mais sombrio da ditadura, o país cresceu a taxas de 7% a 14% ao ano no milagre econômico brasileiro. Quando o general Ernesto Geisel assumiu o poder, em março de 1974, anunciou a "distensão lenta, gradual e segura" que levaria à redemocratização, em 1985.

A segunda crise do petróleo, em 1979, depois da vitória da Revolução Islâmica no Irã, agravou ainda mais a crise econômica do Brasil, que na época importava 75% do petróleo que consumia. A alta nos preços do petróleo também está na origem da hiperinflação brasileira, que só seria derrotada pelo Plano Real, em 1994. Mas o crescimento forte não voltou.

3 comentários:

Paulo Roberto de Almeida disse...

Parcialmente correto, meu caro Jobim. É certo que o primeiro choque do petróleo representou, obviamente, um ENORME choque econômico para o Brasil, pois a fatura petrolífera saltou de 1,5 bilhão de dólares para mais de 3,5 em um ano. Mas isso não significou que o "modelo" da ditadura militar terminou, como vc diz, pois Geisel continuou na mesma trajetória insustentável, confiando na baixa do petróleo, na oferta ilimitada de petrodólares. O modelo -- se é que existia, ou se mantinha estável, o que não acredito -- só degringolou mesmo depois do segundo choque e, sobretudo, da alta dos juros no seguimento de Paul Volker no Fed, mas isso só em 1982, quando o dinheiro realmente acabou.

Nelson Franco Jobim disse...

Obrigado! O argumento é que tínhamos altas taxas de crescimento graças a mão de obra e energia baratas, e o regime militar não conseguiu apresentar uma resposta razoável. A classe média, que usufruía em silêncio os benefícios de uma economia com crescimento elevado, começou a se voltar contra o regime, com vitórias da oposição em 16 dos 22 estados nas eleições de 1974, pressionando Geisel a fazer a "distensão". A alta de juros do Fed também foi, a meu ver, resultado da inflação causada pelas crises do petróleo.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Correto, mas novamente uma caução, ou duas.
As altas taxas de crescimento não eram, e não podiam ser, apenas por energia e mão-de-obra baratas, e sim altas taxas de investimento, sem o que os dois fatores não poderiam fazer nada.
No começo do regime militar, com as muitas reformas feitas, a tributação teve um impulso para cima, bastante forte ao longo do tempo, mas foi quando o Governo aumentou sua própria taxa de investimentos, e chegamos onde NUNCA mais chegamos: 24% de investimento num ano, o que é bastante alto para os padrões históricos brasileiros.
O resultado das eleições de 1974 foi, para mim, um fator essencialmente político, mas não estou em condições de comentar agora, pois me faltam elementos e não conheço exatamente as circunstâncias do descontentamento popular, que podem ter sido econômicas, políticas ou quaisquer outras.
A alta dos juros foi o resultado da inflação por causa do primeiro e depois do segundo choque, mas cabe ressaltar que tudo isso foi causado pela decisão de Nixon de desvincular o dólar do ouro em agosto de 1971, o que provocou uma rápida desvalorização do dólar, e foi por isso também que os países árabes da OPEP resolveram aumentar o preço do petróleo.