segunda-feira, 6 de julho de 2015

Alemanha e França deixam porta entreaberta para a Grécia

Durante um encontro de cúpula em Paris entre o presidente François Hollande e a primeira-ministra Angela Merkel, o eixo França-Alemanha decidiu dar uma chance ao governo radical de esquerda da Grécia com base na "solidariedade com responsabilidade". 

Depois da vitória do não à proposta anterior dos credores internacionais no referendo de domingo passado, a Grécia deve apresentar um plano de ajuste fiscal e renegociação da dívida pública amanhã, na reunião de cúpula de emergência do Grupo do Euro.

Em princípio, o governo grego gostaria de uma redução no valor total da dívida, de 340 bilhões de euros ou 178% do produto interno bruto, que o Fundo Monetário Internacional (FMI) considerou "impagável" na semana passada, e de uma moratória para permitir a retomada do crescimento sem ter de pagar a dívida ao mesmo tempo.

Enquanto os governos de esquerda da França e da Itália querem flexibilizar as regras da ajuda à Grécia, a Alemanha insiste em manter a disciplina para dar credibilidade à moeda comum europeia, modelada no marco alemão. Merkel deixou escapar que "a proposta anterior era boa".

Por outro lado, a saída da Grécia abalaria o princípio de que a união monetária é irrevogável, enfraquecendo o euro e seu papel de moeda forte de uma economia europeia liderada pela Alemanha.

A avaliação no momento é que não há risco de contágio de outras economias da periferia da Eurozona que tiveram problemas nos últimos anos, como Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Mas a recuperação dessas economias é frágil, baseada na queda dos preços do petróleo e na política de jogar mais dinheiro em circulação do Banco Central Europeu.

Os problemas estruturais, como o desemprego de 24% na Espanha e a dívida de 132% do produto interno bruto da Itália, não foram resolvidos. Se a Grécia sair da união monetária, estes países podem ser alvo de ataques especulativos.

Há também o risco do contágio político. A crise gerou o partido de esquerda espanhol Podemos, que se considera irmão do partido Coligação de Esquerda Radical (Syriza), do primeiro-ministro Alexis Tsipras. Uma vitória da esquerda na Grécia espalharia o modelo antiausteridade fiscal por toda a União Europeia. O problema, no caso, é que a esquerda grega não tem bem-estar social a oferecer, só mais sacrifícios.

A preocupação da Alemanha é manter a união monetária nos seus termos, ou seja, sem uma união fiscal e bancária com transferência de fundos para países em dificuldades. Por isso, exigiu o pacto de sustentabilidade e crescimento que limita o déficit orçamentário em 3% do PIB e o total da dívida pública em 60% do PIB.

Nos Estados Unidos, se um banco de qualquer estado da União falir, o depositante estará segurado pela Corporação Federal de Garantia de Depósitos (FCIC). Na Europa, não existe mecanismo semelhante. Os gregos estão correndo aos bancos para sacar seu dinheiro e o sistema financeiro está à beira do colapso.

O BCE é rigorosamente proibido de realocar fundos de um país-membro para outro. Está mantendo os bancos gregos agonizantes com a assistência de liquidez de emergência. O poder de fato está nos governos nacionais e não nas instituições europeias.

Um risco para Angela Merkel é um acordo que mine a popularidade do seu governo e do próprio projeto de integração da Europa. O eleitorado alemão é contra a transferência do seu dinheiro para outros países, especialmente de um que não se mostra interessado em pagar a conta.

A ascensão de partidos antieuropeus como Alternativa para a Alemanha seria inevitável, a exemplo do que aconteceu com a Frente Nacional na França e o Partido da Independência do Reino Unido. Salvar a Zona do Euro comprometendo sua função de consolidar o mercado europeu e de ser uma moeda forte como o marco não interessa à Alemanha.

O lançamento do euro deu moeda forte, juros baixos e crédito barato a países que nunca haviam tido nada parecido. Uma união monetária entre a Grécia e a Itália não faria sentido. O euro foi construído ao redor do marco alemão e beneficiou principalmente a Alemanha, com sua alta produtividade, diminuindo a competitividade dos países da periferia, que ainda enfrentaram a concorrência das importações da China.

Quando a crise de 2008 estourou, o déficit público grego era de 6% do PIB. A dívida estava em 130% do PIB. Em 2009, o governo admitiu que o déficit chegara a 13%.

Sem conseguir financiamento no mercado a partir de 2009, a Grécia fez dois acordos com a chamada troika, o Grupo do Euro, o FMI e o BCE, em 2010 e 2012, em troca de empréstimos de 240 bilhões de euros.

Na renegociação, a dívida grega foi reduzida e hoje está quase todas nas mãos de bancos estatais e organizações internacionais. Mas o país teve de submeter a um programa rigoroso de cortes nos gastos públicos e aumentos de impostos que agravaram a crise.

Portugal, a Irlanda e a Espanha também receberam ajuda e estão em recuperação. A Grécia, que entrara tardiamente na união monetária, em 2001, numa jogada política, naufragou.

Nos últimos seis anos, o PIB grego caiu 25%. O desemprego está em 25% e em mais de 50% entre os jovens. Nesse cenário de terra arrasada, a Syriza venceu as eleições de 25 de janeiro de 2015 prometendo acabar com a austeridade.

Sem acordo com a troika por rejeitar uma nova rodada de restrições, Tsipras apelou para o referendo de domingo passado. Ganhou o apoio de 61,3% dos gregos. Mas terá de apresentar um plano para tornar as finanças públicas da Grécia sustentáveis a longo prazo. Até agora, não foi capaz.

A queda do performático ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, não significa muito. O novo ministro, Euclid Tsakalotos, já era o principal negociador do governo.

Desde que chegou ao poder, Tsipras manobra para mudar a posição dos credores. O referendo foi sua última cartada. Ele pretende usar o relatório do FMI para alegar que a dívida é impagável, mas é improvável que a França e a Itália queiram flexibilizar as regras a ponto de confrontar a Alemanha, que não parece muito disposta a se mexer.

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