domingo, 12 de abril de 2015

Negociações entre EUA e Cuba levaram um ano e meio

Quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o ditador de Cuba, Raúl Castro, apertaram as mãos no funeral do libertador da África do Sul, Nelson Mandela, em 15 de dezembro de 2013, os dois países já negociavam há seis meses o restabelecimento de relações diplomáticas depois de mais de 50 anos. Fizeram questão de manter o silêncio para evitar que os radicais dos dois lados bombardeassem o reatamento, revela o jornal francês Le Monde.

Um ano depois, em 17 de dezembro de 2004, Obama e Castro anunciaram para surpresa do resto do mundo o fim do que o Monde chama de uma "guerra fria tropical e anacrônica". Neste fim de semana, os líderes dos EUA e Cuba se reuniram pela primeira vez desde 1956, na 7ª Cúpula das Américas, realizada no Panamá.

Quando chegou ao poder, Obama estava decidido a adotar uma política de engajamento construtivo com tradicionais inimigos dos EUA como Cuba e o Irã. Em 2009, levantou restrições de viagem e remessas de dinheiro impostas pelo governo George W. Bush em 2003 a Cuba. Mas o caminho teria vários obstáculos, como registra o Conselho de Relações Exteriores dos EUA.

No mesmo ano, Alan Gross, subcontratado pela Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID) para instalar equipamentos de telecomunicação e dar acesso à Internet à comunidade judaica, foi preso e condenado em Havana a 15 anos de prisão sob a acusação de tentar desestabilizar o regime.

O ditador Raúl Castro, dirigente máximo desde que Fidel ficou gravamente doente em 2006, aproveitou a oportunidade para barganhar a libertação dos Cinco de Cuba, agentes presos em Miami em 1998 e condenados em 2001 por espionar os 47 grupos anticastristas suspeitos de organizar ações terroristas em Cuba. Os cinco viraram heróis nacionais na ilha.

Outro obstáculo à reaproximação é a inclusão de Cuba na lista de países que apoiam o terrorismo desde 1982, quando guerrilheiros colombianos foram treinados na ilha. Em 1992, Fidel declarou publicamente que não ajudaria mais grupos rebeldes estrangeiros.

Em 2013, o relatório do Departamento de Estado declarou não haver evidências de que o país estivesse fornecendo armas, dinheiro ou treinamento a insurgentes. O presidente Obama não retirou Cuba da lista. Prometeu estudar o assunto. É uma carta na manga para a negociação sobre a reabertura das embaixadas. Cuba teme que um número maior de diplomatas americanos trabalhe ativamente para mudar o regime.

Mas as violações dos direitos humanos continuam, denuncia a organização não governamental Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos), atingindo quem ousa protestar contra o regime com prisões, espancamento, tortura, restrições de viagem e expulsão do país.

Obama e Castro tinham boas razões para manter o diálogo secreto. Em Washington e Miami, a cólera dos republicanos, especialmente os de origem cubana, bombardearia as negociações. Por isso, Obama concentrou as negociações na Casa Branca, à distância da imensa máquina do Departamento de Estado, onde a notícia poderia vazar.

Por outro lado, em Cuba, os grupos mais radicais contrários a uma abertura econômica, os serviços secretos, a polícia política e a burocracia têm interesse na manutenção do status quo e muito a perder com o fim da ditadura e de uma economia estatizada - e o apoio discreto do comandante Fidel Castro.

A máquina de segurança do Estado teme o revanchismo de suas vítimas e "a propaganda usa a existência de um inimigo externo formidável, os EUA, para dissimular o regime autoritário", acusa o história e dissidente social-democrata Manuel Cuesta Morúa.

O primeiro encontro aconteceu em junho de 2013. A delegação americana foi chefiada por Benjamin Rhodes, coautor dos famosos discursos de Obama que se tornou assessor presidencial para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Fazia parte da equipe o ex-encarregado de negócios dos EUA em Havana Ricardo Zuniga, de origem hondurenha.

Apesar da ruptura, os dois países nunca cortaram totalmente o contato. Na antiga embaixada americana, nota o Monde, os diplomatas americanos e até mesmo fuzileiros navais uniformizados trabalham no que seria apenas uma seção de interesses ligada à embaixada da Suíça. Na verdade, é a maior representação diplomática em Havana e não há suíços por ali.

A imigração era tema de encontros diplomáticos. Na base de Guantânamo, os militares dos dois países mantêm contatos regulares para evitar incidentes. Diplomatas e militares apoiariam a normalização das relações mais do que outros setores da diplomacia cubana.

A ampliação do porto de Porto Mariel, um projeto estratégico do regime financiado e construído pelo Brasil, não se justifica sem o fim do embargo americano, e Raúl é há décadas o "inamovível ministro das Forças Armadas revolucionárias", lembra o jornal francês.

O Vaticano, que nunca rompeu com Cuba, teve um papel decisivo. As visitas de Fidel a Roma em 1996 e a Cuba dos papas João Paulo II, em 1998, e Bento XVI, em 2012, testemunham a importância que o regime passou a dar às relações com a Santa Sé.

Depois da libertação, em 2011, de 75 prisioneiros condenados a longas penas de prisão pela Primavera Negra de 2003, deputados americanos procuraram o Vaticano em 2012 para intermediar as negociações para libertar Alan Gross. Sabiam que ele não seria solto sem contrapartidas.

Dois dias depois do aperto de mãos no funeral de Mandela, em 17 de dezembro de 2013, o encarregado de Cuba no Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, Peter Kornbluth, chegava a Havana com os maiores especialistas americanos em Cuba, inclusive um veterano do Departamento de Estado, Wayne Smith, encarregado de negócios americano na ilha nos governos Jimmy Carter e Ronald Reagan.

O fator Gross foi decisivo. Quando Kornbluth visitou-o na prisão, ele disse: "Sou uma bomba-relógio." Com a saúde precária, Gross corria o risco de morrer na cadeira da ditadura cubana. Isso retardaria o reatamento em mais alguns anos. Era preciso agir logo.

Em 13 de janeiro de 2014, o secretário de Estado americano, John Kerry, se encontrou com o papa Francisco. Obama foi a Roma em 27 de março do mesmo ano. Logo depois, Francisco enviou cartas aos dois presidentes sugerindo uma troca de prisioneiros.

Dos Cinco de Cuba, que o jornalista brasileiro chamou de Os últimos soldados da Guerra Fria em livro com este título, três ainda estavam presos. Eles foram soltos em 17 de dezembro de 2014, quando Obama e Raúl anunciaram o histórico restabelecimento de relações entre os dois países, em troca de Alan Gross e de Rolando Sarraff Trujillo, um espião americano preso há 20 anos em Havana.

Raúl apresentou o acordo como "uma vitória cubana": "Gerardo, Tony e Ramón foram libertados há alguns minutos e embarcaram para Havana." As negociações secretas haviam funcionado. A reconciliação vai enfrentar a mesma sorte de obstáculos.

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