quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Holandeses dominam Nordeste e Nassau é aplaudido

Prestes a embarcar mais uma vez para o Recife, transcrevo aqui este texto escrito na primeira viagem a Pernambuco, publicado no Correio do Povo, de Porto Alegre, em 10 dezembro de 1978:

Por volta de 1530, Dom João III, rei de Portugal, percebe que colonizar é a melhor maneira para garantir o domínio sobre suas possessões na América. Institui, então, o sistema de capitanias hereditárias e recomenda aos donatários que introduzam a agricultura como forma de fixar o homem à terra. O açúcar é um produto em ascensão no mercado internacional e a cana, já plantada com sucesso nas ilhas da Madeira e dos Açores, logo se adapta aos solo fértil da Zona da Mata nordestina. O Brasil lidera a produção mundial e Pernambuco se torna a capitania mais florescente da colônia no século 16. Cem anos mais tarde, quando o Brasil está sob o domínio espanhol, esse mesmo açúcar atrai a cobiça dos holandeses, que invadem o Nordeste em 1624-25 e 1630-54. Nesse período, o conde Maurício de Nassau, mais mercenário do que príncipe, inicia o desenvolvimento do Recife, como governador dos territórios ocupados. As relíquias desse passado histórico em que o açúcar foi a mercadoria mais importante do comércio marítimo mundial estão em Olinda e Recife.

À época do descobrimento do Brasil, todas as atenções de Portugal se voltam para o Oriente, onde o comércio das especiarias atinge o apogeu. Ninguém quer saber do Brasil, a não ser os traficantes de madeira. Pelo sistema de capitanias, o rei cede alguns direitos ao mesmo tempo em que passa os encargos financeiros com transporte e povoação aos donatários.

Poucos se candidatam. Segundo a História Econômica do Brasil, de Caio Prado Jr., entre os 12 pretendentes não figura nenhum nome da grande nobreza e do alto comércio - são todos indivíduos de pequena expressão econômica e social.

AÇÚCAR
O açúcar é o grande negócio. Em 1440, uma arroba (15 quilos) vale 18,30 gramas de ouro em Londres. Como não existe o hábito de consumi-lo, o desenvolvimento da produção logo traz a queda nos preços. Portugal já é o maior produtor e o Brasil assume essa condição entre suas colônias.

Duarte Pereira Coelho, donatário de Pernambuco, é homem de armas com experiência em navegações. Jovem, em 1519, vai à Índia. Em 1516-17, desempenha missão diplomática no distante e desconhecido reino do Sião. Navega o mar da China e percorre as costas da África, passando a comandar a frota guarda-costas do Brasil, quando conhece a futura capitania de Pernambuco, em 1530, durante lutas contra índios em Igaraçu.

Cinco anos depois, Duarte Coelho recebe a Fortaleza de Pernambuco, que tem esse nome porque um extenso recife passa rente à praia, com uma abertura para dar vazão às aguas dos rios Capibaribe e Beberibe (em tupi, parana puca significa mar furado).

TRADIÇÃO
Mais preocupado com a defesa militar do que com o comércio (homem de armas, confiava nelas), o donatário transfere a feitoria para uma colina na margem esquerda do Beberibe, lugar de bela paisagem. Surge a primeira capital de Pernambuco, Olinda, assim batizada porque um colonizador teria se maravilhado com a vista e exclamado: "Ó linda!" - segunda a versão do Frei Vicente Salvador, consagrada pela tradição oral.

Junto ao porto natural, existe uma povoação desde 1927, mas o Recife é fundado oficialmente em 12 de março de 1537 com o nome de Arrecife dos Navios, espremido entre os rios e o mar, com seus armazéns, suas tendas vagabundas e a vulgaridade de seus comerciantes - contrastando com a aristocrática Olinda dos nobres senhores de engenho.

A cana assume seu papel. Lentamenta a agroindústria dá seus primeiros passos na planície do Beberibe. Os engenhos passam de 23 em 1576 para 50 dez anos depois e na virada do século são mais de 100. Em 1583, foram exportadas 3 mil arrobas de açúcar.

INVASÃO
Com a morte de Dom Sebastião, rei de Portugal, em 1580, sem deixar sucessor, Felipe II, da Espanha, reivindica e leva a coroa portuguesa, disse se aproveitando a Holanda, inimiga da Espanha, para invadir o Brasil com a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, empresa colonizadora e exploradora. O primeiro alvo é Salvador, que como capital da colônia era bem fortificada, reage e repele o invasor em um ano com o apoio de uma esquadra luso-espanhola.

Com 3.780 marinheiros e 3.500 homens bem armados em 35 naus, 15 iates, 35 chalupas e duas embarcações capturadas, os holandeses atacam Pernambuco, "a mais rica das províncias ultramarinas portuguesas". Em 13 de fevereiro de 1630, o almirante Lonch avista Olinda, mas o governador Matias de Albuquerque protege o porto. Enquanto Lonch visa os fortes do Recife de longe, Wardenburch desembarca 3 mil homens ao norte, onde hoje fica o Forte Pau Amarelo, guiado por um cristão novo (judeu convertido), Antônio Dias Papa-robalos.

Explica-se: O fantasma da Inquisição apavora a Espanha e suas colônias, e o Brasil há havia recebido a Visitação do Santo Ofício em 1591-5. Para os judeus, a presença holandesa seria tranquilizadora. Atacando violentamente pelo lado norte, desguarnecido, os holandeses incendeiam e destroem Olinda.

PRÍNCIPE
O Recife é escolhido para capital da Nova Holanda em função da importância do porto para o comércio, principal interesses dos acionistas da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, uma multinacional da época. As capitanias de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande são dominadas. Para consolidar suas posições, a empresa nomeia governador-geral o conde João Maurício de Nassau-Siegen.

Segundo o historiador Hélio Vianna, Nassau não passa de um fidalgo alemão que recebe honrarias de príncipe do Principado de Nassau-Siegen, parte do Sacro Império Romano-Germânico, em 1674, muito depois de deixar o Brasil, sem no entanto jamais ter reinado sobre terra alguma. Não é, portanto, da família real holandesa, mas, sim, "um ex-combatente da Guerra dos Trinta Anos, como outros mercenários que a Cia. das Índias Ocidentais enviou para a América".

O mesmo Hélio Vianna entende que não foi o administrador extraordinário que alguns pretendem: inteligente, procura desempenhar bem sua missão, embora sempre atendendo às conveniências meramente utilitárias da empresa.

Talvez pensando em viver na América, Nassau constroi um palácio, planta 700 coqueiros e outras árvores frutíferas, parreirais para fazer vinho na Ilha de Itamaracá. Dá liberdade religiosa aos judeus e a outras minorias perseguidas para atrair migrantes. Sua obra mestra é a Ponte dos Arcos, que custa 100 mil florins e liga as ilhas do Recife e de Santo Antônio, onde cria a Cidade Maurícia. Além disso constroi o porto, antes natural.

Mas os acionistas da Companhia das Índias Ocidentais queriam remessas de lucros e não despesas com colônias distantes. Em 1644, Nassau é chamado para prestar contas. Antes de partir, é carregado em triunfo nos braços do povo, que soube reconhecer sua preocupação com o desenvolvimento e não apenas com a exploração. Durante seu governo (1937-44), houve florescimento das artes, mas os engenhos nunca funcionaram como antes de 1630.

INSURREIÇÃO
A volta de Nassau deteriora a ocupação holandesa. Portugal, independente da Espanha desde 1640, apoiava decisivamente a expulsão do invasor. Organiza-se a Insurreição Pernambucana, fato histórico apontado como primeira manifestação do sentimento nacionalista no Brasil.

Os pretos de Henrique Dias, os índios de Felipe Camarão, os portugueses liderados pelo poderoso senhor de engenho João Fernandes Vieira e os brasileiros de André Vidal de Negreiros se unem sob a chefia do mestre de campo e marechal Francisco Barreto, nomeado pelo rei Dom João IV.

A vitória decorre de duas derrotas sofridas pelos holandeses em batalhas nos Montes Guararapes, a primeira em 18 de abril de 1648 e a segunda em 18 de fevereiro de 1649. Debilitados, os invadores ainda resistem cinco anos até a rendição final, assinada na Campina da Taborda, atrás do Forte das Cinco Pontas, no centro do Recife, em 1654.

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