segunda-feira, 31 de março de 2014

Crise do petróleo derrubou modelo econômico da ditadura

Na extensa rememoração dos 50 anos do golpe cívico-militar de 1964 e da ditadura que se manteve por longos e sombrios 21 anos, há um importante aspecto negligenciado: o papel da crise do petróleo de 1973 ao acabar com o modelo econômico da ditadura militar e o milagre brasileiro.

Apesar da violenta repressão do governo do ditador Emilio Garrastazu Médici (1969-74), a imensa maioria do país, especialmente as classes média e alta, navegava faceira com as benesses de um crescimento econômico que chegou a 14% ao ano. Quando faltou gasolina para seus Corcéis e Opalas, e a inflação disparou, passou a votar contra o governo.

Sob a batuta do ministro Delfim Netto, hoje um dos gurus dos governos petistas, e graças às reformas feitas por Roberto Campos e Octavio Gouveia de Bulhões sob o marechal Humberto Castelo Branco, a ditadura criou seu milagre econômico. O modelo combinava matérias-primas e mão de obra baratas, por causa da repressão imposta ao movimento sindical.

Enquanto jovens comunistas se sacrificavam no vale do Rio Araguaia na expectativa de criar uma longa guerra civil no campo, a exemplo do que Mao Tsé-tung fizeram na China, outros sequestravam embaixadores nas grandes cidades para libertar companheiros presos. Mas a maioria festejava o tricampeonato no México e acreditava na propaganda que cantava: "Este é um país que vai pra frente... de uma gente alegre e tão contente."

O Brasil Grande do general Médici se apresentava como "um oásis de paz" num mundo conturbado por guerras e revoluções.

Em 6 de outubro de 1973, na maior empreitada militar árabe da era moderna, mais de 100 mil soldados, mil tanques, 4 mil peças de artilharia e 250 aviões de combate do Egito cruzaram o Canal de Suez na tentativa de retomar a Península do Sinai, conquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias, de 5 a 10 de junho de 1967. Para o historiador militar americano Trevor Dupuy, foi "uma das mais memoráveis travessias de água nos anais da guerra".

Ao mesmo tempo, 35 mil soldados e 800 tanques da Síria invadiram as Colinas do Golã. Era o início da Guerra do Yom Kippur (Dia do Perdão). Os árabes aproveitaram um feriado para atacar. Nem Israel nem os EUA acreditavam nos planos de guerra dos presidentes do Egito, Anuar Sadat, e da Síria, Hafez Assad, pai do atual ditador, Bachar Assad.

Na manhã seguinte, Israel tinha perdido 300 tanques. Mas, depois de vencer a batalha do cruzamento do canal e resistir ao primeiro contra-ataque israelense, o Exército do Egito se entrincheirou no Sinai logo após o Canal de Suez e não avançou, como queria a Síria. Naquele momento, sob pressão no Golã, Israel teria dificuldade para descolar aviões e tanques para conter a ofensiva egípcia.

A "pausa operacional" da ofensiva egípcia permitiu a Israel enfrentar separadamente seus dois grandes inimigos. Em 7 de outubro, Sadat enviou mensagem ao secretário de Estado americano, Henry Kissinger, expondo suas condições para a paz: "Não queremos aprofundar o conflito nem ampliar a confrontação". Exigia a devolução do Sinai.

Durante três dias, de 7 a 9 de outubro de 1973, a Força Aérea israelense fez mais de mil missões de combate por dia no Golã. Neutralizou a Força Aérea da Síria e conquistou supremacia aérea. A Síria recuou para as linhas anteriores ao início da guerra.

Só no dia 14, quando a artilharia de Israel ameaçava Damasco, o Egito retomou a ofensiva sobre o Sinai. Com o fracasso, em 16 de outubro, Sadat escreveu uma carta aberta ao presidente americano, Richard Nixon, propondo um cessar-fogo a ser seguido por uma conferência de paz patrocinada pela ONU para Israel devolver os territórios ocupados e reconhecer os direitos do povo palestino.

O recado de Sadat para os EUA e para o aliado Assad era claro: ele não queria mais lutar.

Kissinger, que tinha consolidado o apoio dos EUA a Israel no contexto da Guerra Fria, viu uma oportunidade para enfraquecer o poderio soviético no Oriente Médio.

Uma batalha logística entre as duas superpotências marcou a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Os EUA e a União Soviética armaram pontes aéreas militares da história, que levaram milhares de toneladas de equipamentos para as partes em luta. A URSS entregou de 12 a 15 mil toneladas de equipamentos, armas e munições aos árabes e os EUA o dobro disso a Israel. Ao todo, até dezembro de 1973, por mar e ar, os EUA forneceram 90 mil toneladas de armas e equipamentos militares a Israel.

Em 24 de outubro, quando Israel cercou e ameaçava destruir o 3º Exército do Egito no Sinai, a URSS entrou em alerta nuclear e ameaçou entrar na guerra. Foi o único alerta nuclear soviético durante a Guerra Fria. O equilíbrio do terror nuclear entre as superpotências levou a um cessar-fogo em 25 de outubro de 1973. Pelo menos 2.521 israelenses e 8 mil árabes morreram no conflito.

Quatro anos depois, convencido de que era a única maneira de recuperar o Sinai, Sadat rompeu com a URSS, aproximou-se dos EUA e visitou Israel, com quem faria o primeiro acordo de paz de um país árabe com o Estado judaico. Em 1977, a URSS deixava de ser uma superpotência no Oriente Médio, posição que Vladimir Putin tenta restaurar agora apoiando a ditadura de Bachar Assad na guerra civil na Síria.

Sadat pagaria com a vida. Foi assassinado por soldados extremistas muçulmanos durante uma parada militar, em 6 de outubro de 1981, para comemorar o 8º aniversário da Guerra do Yom Kippur.

Humilhados mais uma vez no campo de batalha, sob a liderança do rei Faissal, da Arábia Saudita, em 16 de outubro de 1973, os países árabes exportadores de petróleo aumentaram o preço do barril em 17%, na época para apenas US$ 3,65. No dia seguinte, anunciaram um boicote à venda de petróleo aos EUA e outros países que apoiavam Israel, como Canadá, Holanda, Japão e Reino Unido.

Quando o embargo acabou, em março de 1974, mês da posse do ditador Ernesto Geisel (1974-79), o preço do barril de petróleo tinha quadruplicado para US$ 12. Uma das bases do milagre econômico brasileiro começava a ruir. O Brasil importava 75% do petróleo que consumia.

Logo, vieram aumentos de preços em cascata que levariam à hiperinflação só vencida em 1994 pelo Plano Real, filas nos postos, fechamento de postos de gasolina aos fins de semana, sobretaxas, déficits comerciais crescentes e crises de balanço de pagamentos.

Sob pressão, o general Geisel anunciaria a "distensão lenta, gradual e segura" que culminou com a revogação do Ato Institucional nº 5, em 31 de dezembro de 1978, e a anistia aos presos políticos, exilados e torturadores, em 1979.

Com a crise econômica, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido da ditadura, perdeu as eleições para o Senado em 16 dos 22 estados brasileiros em 15 de novembro de 1974. A opinião pública tinha virado contra o regime militar.

Em 1977, o general Geisel fechou o Congresso e decretou o Pacote de Abril. A volta das eleições diretas para governador, prevista para 1978, foi adiada para 1982. Para manter a maioria do governo, surgiu o senador biônico, em vez de ser eleito, nomeado pela ditadura.

Na visão do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, em artigo na Folha, o Pacote de Abril leva a uma ruptura de setores importantes do empresariado com a ditadura.

A crise do petróleo, que causou uma recessão mundial nos anos 1970s, se agravou com a vitória da Revolução Islâmica o Irã, em 1979, no chamado segundo choque petrolífero, piorando ainda mais a situação econômica dos países dependentes de petróleo importado.

Na América Latina, as dívidas externas cresciam mesmo em países exportadores de petróleo como México e Venezuela, embriagados pelo dinheiro fácil. Com a forte alta de juros nos países ricos para combater a inflação causa pelo aumento nos preços dos combustíveis, vários países latino-americanos quebraram em 1982, entre eles México, Brasil e Argentina.

Assim, o Brasil foi alvo de uma sucessão de crises internacionais. Até hoje a economia brasileira não recuperou os índices de crescimento do pós-guerra até as crises do petróleo, de 7% a 8% ao ano. Em 1978, o produto interno bruto brasileiro era do tamanho do da China, de US$ 200 bilhões.

A crise econômica acabou com o prestígio da ditadura. Quem como eu sonhava em viver um dia num país rico, moderno e democrático acordou do pesadelo da ditadura sob uma crise econômica que obrigava a ligar para o banco várias vezes por dia, ou cada vez que se passava um cheque.

Com o Plano Real e as reformas econômicas da era Fernando Henrique Cardoso e os programas sociais dos governo Lula e Dilma, o Brasil recuperou sua autoestima, mas ainda está longe de definir um modelo econômico capaz de proporcionar desenvolvimento e bem-estar a seus 200 milhões de habitantes. O crescimento baixo e a desindustrialização ameaçam mais uma vez o eterno país do futuro.

No mundo globalizado, é importante aproveitar as oportunidades que o mercado internacional oferece. O extraordinário crescimento chinês foi um impulso fundamental para a aceleração do crescimento sob Lula na década passada. É bom também não esquecer as lições da crise que destruiu o milagre da ditadura.

Ontem como hoje, o Brasil precisa escapar da "armadilha de renda média". Para um país se tornar rico, tem de dar um salto tecnológico e fabricar produtos de alto valor agregado que o resto do mundo queira comprar. No Brasil, os setores de sucesso são o agronegócio e os aviões da Embraer. É muito pouco.

O Brasil precisa de um modelo de desenvolvimento para a revolução da biotecnologia. Como país mais biodiverso do mundo, o Brasil tem o maior banco genético do planeta, a maioria relativa das espécies animais e vegetais. Essa imensa a pouco explorada riqueza natural será transformada em produtos e processos que vão revolucionar a face da Terra muito além do que a revolução da tecnologia da informação fez nas últimas décadas.

É uma nova revolução tecnológica e industrial. O Brasil precisa embarcar neste trem-bala.

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