quarta-feira, 24 de julho de 2013

Escola de Frankfurt foi à guerra contra o nazismo

A guerra cria alianças estranhas e inesperadas, observa a revista americana Foreign Affairs ao comentar a colaboração de judeus comunistas alemães com os Estados Unidos para combater o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Entre essas associações esdrúxulas, está a de William Donovan, chefe do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS), precursor da Agência Central de Inteligência (CIA), com os intelectuais da Escola de Frankfurt.

Veterano condecorado da Primeira Guerra Mundial, Donovan, conhecido como Bill, o Selvagem, era um advogado ligado ao Partido Republicano. Em 1941, foi convocado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt para criar o primeiro serviço secreto civil da História dos EUA.

Naquela época, lembra William Scheuerman, autor do artigo, a comunidade de política externa via espionagem e inteligência como atividades inferiores e pouco importantes. Assim, para montar sua equipe, Donovan recrutou diplomatas e espiões, mas também cineastas, mafiosos, acadêmicos, atletas e jornalistas.

Num grupo tão heterogêneo, destacava-se Franz Neumann, um advogado e cientista político marxista que fugira da Alemanha em 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder. Depois de lançar em 1942 o livro Monstrengo: a estrutura e a prática do nacional socialismo, que descrevia o nazismo como uma combinação patológica de um totalitarismo brutal com um capitalismo monopolista, ele passou a ser considerado um dos maiores especialistas em Alemanha nazista dos EUA.

Donovan nomeou Neumann para chefiar o setor de análise e pesquisa do OSS encarregado de estudar a dominação nazista sobre a Europa. Nessa tarefa, teve a colaboração do filósofo Herbert Marcuse, um dos gurus das revoluções jovens dos anos 1960s, e do jurista Otto Kirchheimer, seus colegas no Instituto de Pesquisa Social, fundado em Frankfurt em 1923, que havia se transferido para a Universidade de Colúmbia, nos EUA, depois da ascensão do nazismo.

Sob inspiração de Karl Marx, a Escola de Frankfurt adotava uma abordagem multidisciplinar para examinar os papéis desempenhados pela cultura, o direito, a política e a psicologia em reproduzir e ampliar a injustiça social.

"Foi como se o Espírito do Mundo, de Hegel, tivesse baixado brevemente no Departamento da Europa Central do OSS", disse John Herz, outro jovem judeu alemão refugiado nos EUA.

Agora, foi lançado nos EUA o livro Relatórios Secretos sobre a Alemanha Nazista: a contribuição da Escola de Frankfurt para o esforço de guerra, com textos de Neumann, Marcuse e Kirchheimer, editado pelo pesquisador italiano Rafaelle Laudani, professor de história na Universidade de Bolonha.

Os relatórios vão do antissemitismo e da política econômica nazista ao impacto dos bombardeios aéreos sobre o moral da população civil e sugestões sobre como processar os criminosos de guerra usadas no Tribunal de Nurembergue. São fascinantes, mas mostram que mesmo as mentes mais brilhantes por vezes ficam aprisionadas ao passado.

A Escola de Frankfurt se bateu contra a proposta do secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau de desmantelar o parque industrial alemão, endossado por Roosevelt, mas abandonado pelo presidente americano Harry Truman no pós-guerra. Também considerou insuficiente a desnazificação da Alemanha, descrita por Herz como um "fiasco".

Uma das preocupações era que os aliados tomassem a Alemanha de 1945 pela de 1918. Os colaboradores alemães advertiram que os nazistas fariam tudo para impedir uma rendição humilhante como a da Primeira Guerra Mundial. "O sistema do nacional socialismo foi criado com o propósito de tornar uma repetição de 1918 impossível", escreveu Marcuse em 1943.

Na visão dos marxistas alemães, o antissemitismo radical foi uma tentativa de implicar a maior parcela possível da população da Alemanha nos crimes de guerra nazistas. Com as mãos sujas de sangue, os alemães não teriam alternativa a não ser lutar até a morte contra os aliados.

Outra preocupação é que os nazistas explorassem as divisões dos aliados para evitar uma rendição incondicional. Isso deixaria grupos antidemocráticos poderosos em atividade. A única solução, alertavam, era a unidade política e militar dos aliados.

Apesar de falarem nos riscos das analogias históricas enganosas, os frankfurtianos não viram a possibilidade de tornar a Alemanha numa democracia próspera e vibrante combinando um capitalismo regulado pelo Estado com um generoso sistema de bem-estar social. Temiam que um governo fraco liderado pelo Partido Social-Democrata tivesse o mesmo destino da República de Weimar, fundada depois da Primeira Guerra Mundial. E não perceberam que a destruição total da sociedade civil alemã pelo nazismo evitaria as revoltas populares que se seguiram à derrota em 1918.

O grande desafio era como um governo de potências estrangeiras ocupantes seria capaz de acabar com o autoritarismo e criar uma democracia sem marginalizar e alienar os grupos democráticos locais. Neumann chegou a sugerir que o futuro regime mesclasse elementos da democracia liberal anglo-saxã com a economia socialista. No fundo, os marxistas da Escola de Frankfurt acalentavam seu antigo sonho de uma Alemanha democrática e socialista.

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