terça-feira, 28 de maio de 2013

"Revolução do Egito precisa de anos"

A democracia precisa de pelo menos quatro a cinco anos para se consolidar e terá de encontrar seu próprio modelo, afirmou hoje a professora e militante Rabab el-Mahdi, ao falar no seminário O Egito Após a Revolução: análise da atual conjuntura política, realizado no Rio de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e a Escola Superior de Propaganda e Marketing, na sede da ESPM.

"Um grande edifício desabou e a poeira ainda não assentou", disse a professora egípcia, falando da queda do ditador Hosni Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011, depois de ficar quase 30 anos no poder. "A maior parte do que existia entrou em colapso. As revoluções são processos longos que levam anos. Não sou pessimista. Mas, nos próximos cinco anos, imagino que a situação não vá melhorar."

Rabab el-Mahdi apontou cinco desafios, "nem todos novos", para a revolução egípcia:

1. O Egito é uma sociedade pós-colonial. Os países árabes conquistaram a independência recentemente, no século 20. Há uma memória nítida do passado colonial. Isso levou ao nacionalismo árabe e ao islamismo político, duas tentativas de busca da identidade perdida.

Então, antes da construção institucional, a professora e militante entende que o Egito precisa resolver sua crise de identidade: "Quem somos nós? O que é uma sociedade islâmica? Como deve ser um Estado islâmico? O Irã, a Arábia Saudita e os países muçulmanos da Ásia têm respostas diferentes. O secularismo nos Estados Unidos é diferente do secularismo na França".

2. Há uma necessidade de reformas estruturais, mais do que questões de procedimentos. O que deve estar na Constituição? Que tipo de democracia queremos? Como tirar os militares da política? A democracia deve ser participativa ou representativa?

3. Há questões de distribuição do poder. Quem governa? Como produzir e distribuir a riqueza? "A revolução aconteceu porque o povo não queria mais autoritarismo nem desigualdade social. A economia global está em crise e o Egito não está realmente integrado. Temos uma crise de balanço de pagamento pós-revolução. Os serviços sociais, os serviços públicos, funcionam mal. Os gastos com saúde são menos de 5% do produto nacional bruto. O Estado está quase falido".

4. A revolução ocorreu dentro de uma dinâmica regional. O Egito é um país líder no mundo árabe. De um total de cerca de 300 milhões de árabes, 90 milhões são egípcios. "Há um excepcionalismo egípcio. Os egípcios se consideram superiores. Se os tunisianos fizeram [derrubaram a ditadura de Ben Ali], tínhamos de fazer também."

Houve um efeito-dominó que foi espalhando a revolta pelos países árabes. As guerras civis na Líbia e na Síria tiveram um efeito-antidominó. A Primavera Árabe acabou a caminho de Damasco.

Outra questão regional importante é a relação com Israel, onde, na opinião de Rabab el-Mahdi, "não há absolutamente livre escolha. O Egito é pressionado e manipulado para manter a estabilidade. Os EUA não querem uma nova Somália ou Afeganistão".

5. Falta organização às forças liberais e de esquerda da classe média urbana das grandes cidades egípcias que saiu às ruas e tomou as praças para exigir o fim da ditadura. Na visão da professora, há três principais atores:
• os militares, que mandam historicamente no Egito desde a revolução que derrubou a monarquia, em 1952, têm as armas e o apoio dos EUA;
• a Irmandade Muçulmana, que controla a Presidência e o Parlamento, tem apoio popular, "mas nem tanto, o suficiente para garantir suas vitórias eleitorais; e
• as oposições, que vão desde os salafistas que acusam a Irmandade de não ser suficientemente muçulmana, os liberais e as esquerdas, não estão organizadas.

Diante desses problemas, a professora El-Mahdi prevê:
1. Não vai haver estabilidade em curto prazo, nos próximos quatro ou cinco anos.
2. Não deve haver grandes mudanças nas relações com os EUA e Israel.
3. Há uma perspectiva de aumento das relações Sul-Sul.

O presidente Mohamed Mursi visitou o Irã, a China e o Brasil.

Por fim, Rabab el-Mahdi comparou países muçulmanos a países católicos, normalmente sociedades que chamou de conservadoras. Na verdade, os partidos muçulmanos moderados representam o papel que a democracia cristã teve na democratização da Alemanha e da Itália depois da Segunda Guerra Mundial.

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