sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Extorsão é apontada como causa do crime de Gu Kailai

Ao confessar sua culpa por assassinato num processo com todas as características dos processos da era de Josef Stalin na União Soviética, Gu Kailai, mulher do ex-dirigente da alta cúpula do Partido Comunista da China Bo Xilai, justificou o crime alegando que precisava proteger seu filho da extorsão e das ameaças do empresário britânico Neil Heywood.

Um dia depois, os detalhes do julgamento-relâmpago começam a vir a tona. Houve uma confissão de culpa, mas o veredito ainda não foi anunciado oficialmente.

O regime comunista chinês tenta enterrar rapidamente um escândalo que revela um pouco do seu lado obscuro e sinistro: a luta palaciana dentro do governo e do partido, um padrão de abuso de poder de quem confia na impunidade, privilégios feudais e uma riqueza pessoal incompatível com uma sociedade que ainda se apresenta como socialista.

Bo Xilai foi afastado em março da chefia do Partido Comunista na megacidade de Xunquim por "sérias violações disciplinares". Em abril, foi expurgado do Politburo do Comitê Central do PC, mas nenhum crime lhe foi imputado. A condenação de sua mulher, filha de um general do Exército Popular de Libertação, por assassinato sela o destino do casal que caiu em desgraça.

Na denúncia apresentada no tribunal da distante cidade de Hefei, na província de Anhui, os promotores sustentaram que o empresário pediu dezenas de milhões de dólares a Bo Guagua, de 24 anos, formado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e pós-graduado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Heywood chegou a prendê-lo em cárcere privado numa casa na Inglaterra e enviou emails ameaçando-o de morte.

A reação de Gu Kailai revelou um lado sombrio de prepotência e abuso de poder da alta cúpula do governo e do PC chineses. É o exercício do poder de forma crua e brutal. Ela conspirou com o chefe de polícia do governo de seu marido na cidade e província de Xunquim, que acabou gravando sua confissão.

Em novembro, Heywood, de 41 anos, foi encontrado morto no hotel de luxo em Xunquim. No primeiro momento, sua morte foi atribuída a um ataque cardíaco causado por excesso de álcool. Agora, a defesa voltou a insistir na tese da bebedeira como verdadeira causa da morte, argumentando que a quantidade de cianeto de potássio usada era insuficiente para matar um homem do peso do britânico.

 Na manhã de hoje, Zhao Chiangcha, um estudante universitário da província de Anhui que disse ter estado no tribunal publicou um relato detalhado na rede social chinesa renren.com removido horas depois.

A maioria das informações, reporta o jornal The New York Times, foi confirmada pela agência de notícias oficial Nova China e pelo advogado Li Xiaolin, defensor de Zhang Xiaojun, um assessor de Bo e Gu que também foi processado.

Para especialistas em direito, a julgamento foi mais um teatro político previamente ensaiado do que uma tentativa de fazer justiça. O possível envolvimento de Bo jamais foi cogitado.

Pelos relatos do tribunal, Heywood morava há muitos anos na China quando conheceu Bo Guagua na Inglaterra em 2003 e se aproximou do filho do dirigente comunista na esperança de usar sua influência para fazer grandes negócios.

Quando a empreitada não deu certo, o empresário britânico teria exigido US$ 22 bilhões, cerca de 10% do que sonhava ganhar se o negócio desse certo. Heywood chegou a deter o jovem Bo numa casa na Inglaterra e mandou uma mensagem de correio eletrônico ameaçando "destruir você".

Neste momento, Gu Kailai achou que era hora de proteger seu "coelhinho", como ela chamou o filho num email. Na megacidade de Xunquim, Bo Xilai era chefe do PC; na prática, era prefeito e governador da província ao redor.

Gu pediu ajuda ao chefe de polícia de Xunquim, Wang Lijun, um subordinado de seu marido com papel importante nas campanhas de combate à corrupção lançadas por Bo Xilai, que resgatou práticas abusivas da era de Mao Tsé-tung e até canções triunfalistas do tempo da Revolução Cultural. Houve protestos de neomaoístas em defesa de Bo Xilai, mas não no tribunal, onde ele não estava em julgamento.

Quando Wang Lijun disse que não poderia ajudar, Gu teria entrado em pânico. Ela decidiu agir por conta própria. Tentou armar um flagrante por tráfico de drogas em que a polícia de Xunquim atiraria alegando que Heywood tinha resistido à prisão - um "auto de resistência" no modelo chinês. Wang ajudou a conspirar, mas não quis executar o plano.

Talvez o envenenamento fosse uma alternativa mais discreta. Gu saiu atrás de veneno para cães e ratos. Ao todo, sete pessoas foram presas por ajudá-la a comprar a substância usada para matar Heywood.

Em 10 de novembro de 2011, prossegue a reconstituição do crime feita no tribunal, Zhang Xiaojun, um militar da reserva que tinha servido ao pai de Gu, foi a Beijim convidar o empresário britânico a visitar Xunquim. Gu revelou seus planos a Wang Lijun, o chefe de polícia, na tarde de 13 de novembro.

À noite, Gu Kailai jantou com sua vítima. Depois, pediu ao motorista que comprasse uma garrafa de uísque Royal Salute. Ela preparou o veneno e entregou tudo a Zhang, que sabia do plano e não queria participar, mas acabou concordando para não contrariar uma família tão poderosa, na descrição dos promotores.

Por volta das onze da noite, Gu levou Heywood até o exclusivo hotel Nanshan Lijing Resort, onde o empresário britânico estava hospedado na cabana 1605. Eles tomaram uísque até Heywood ficar bêbado a ponto de se deitar e pedir um copo d'água, o que para um britânico costuma exigir muitas doses de alcool.

Neste momento, Zhang chegaria com o veneno. A água que deveria saciar a sede de Heywood acabou por matá-lo. Gu espalhou drogas pelo quarto para simular a hipótese de envenenamento por álcool e drogas de farmácia. Teria abandonado a cena do crime às 23h38.

No dia seguinte, quando Gu contou o assassinato ao chefe de polícia, ele gravou a conversa. Esse relato chegou às autoridades chinesas. Foi uma das peças centrais da acusação.

O corpo de Heywood foi encontrado por funcionários do hotel em 15 de novembro. Quando a polícia chegou, Wang Lijun chefiou a investigação. Para encobrir o crime, eles coletaram provas para forjar uma perícia confirmando a versão de morte por embriaguez.

Quando Wang foi demitido por Bo Xilai, em janeiro de 2012, ele foi até o Consulado dos EUA em Chengdu e contou a história a diplomatas americanos antes de entregar a gravação com a confissão de Gu às autoridades chinesas.

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