quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

EUA encerram invasão do Iraque

Depois de oito anos e nove meses, e das mortes de 4.484 mil soldados americanos, 179 britânicos, 139 de outros países aliados e mais de 100 mil civis iraquianos, os Estados Unidos encerraram hoje a invasão do Iraque, ordenada em março de 2003 pelo então presidente George W. Bush sob a alegação de que a ditadura de Saddam Hussein estaria desenvolvendo armas de destruição em massa.

A ditadora genocida de Saddam caiu em 9 de abril daquele ano, mas as armas químicas, biológicas e nucleares proibidas nunca foram encontradas. Foi uma guerra ilegal, por não ter sido autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, e ilegítima porque o motivo alegado era falso.

Bush esperava uma guerra rápida. Chegou a declarar vitória, em 1º de maio de 2003, a bordo do porta-aviões americano Abraham Lincoln, no Golfo Pérsico.

Com a anarquia desencadeada pela queda da ditadura, logo os EUA precisaram da ajuda da ONU, que haviam humilhado ao ignorar a oposição do Conselho de Segurança à ação militar. Em agosto de 2003, um ataque terrorista suicida contra a sede da ONU em Bagdá matou o chefe da missão, o embaixador brasileiro Sérgio Vieira de Mello.

Diante do vácuo de poder e da desmobilização da polícia e das Forças Armadas do antigo regime, milhares de homens com armas e treinamento militar iniciaram uma revolta contra a ocupação. Ao não opor resistência à invasão, o regime preservou homens e armas para uma longa guerra de guerrilha.

O caos alimentou o conflito sectário entre sunitas e xiitas.

Em 31 de março de 2004, quatro americanos contratados pelo Departamento da Defesa dos EUA foram alvo de uma embosca em Faluja, conhecida como a cidade das mais de 200 mesquitas, à beira do Rio Eufrates. Como represália, os EUA atacaram a cidade, matando mais de 600 pessoas, uma ferida aberta até hoje nas relações americano-iraquianas.

Prisioneiro com fios para tortura
Um mês depois, foram reveladas as fotos de torturas praticadas por americanos na prisão de Abu Ghraib, nos arredores de Bagdá. O centro de detenção e tortura de Saddam tinha se tornado centro de tortura para os EUA.

Quando o então secretário de Estado, general Colin Powell, se opôs à guerra, defendida pelos neoconservadores do governo Bush, disse ao presidente que, ao derrubar Saddam, os EUA se tornariam donos do destino de 25 milhões de habitantes de um país com profundas diferenças culturais.

Soldada Lynndie England arrasta preso
Entre as principais questões sobre o delirante projeto neoconservador de usar a democratização à força do Iraque como modelo para o resto do Oriente Médio, era saber se o Iraque era um produto de Saddam e assim poderia ser democratizado, ou se Saddam era um produto do Iraque.

Neste caso, os EUA seriam o novo Saddam. Teriam de impor sua própria ditadura a um país criado artificialmente pelas potências ocidentais depois da dissolução do Império Otomano, no fim da Segunda Guerra Mundial.

O ditador foi condenado por suas campanhas contra xiitas e curdos e enforcado em 30 de novembro de 2006. Mas o novo Iraque emergiu das urnas profundamente dividido entre suas etnias e religiões.

Enquanto árabes xiitas e curdos, perseguidos por Saddam, apoiavam a nova ordem, os sunitas boicotaram as primeiras votações e formavam o grosso da insurgência, onde logo entrou a rede terrorista Al Caeda, abrindo uma nova frente de batalha para enfrentar seus arqui-inimigos americanos.

A maioria xiita, com sua ligação natural com o vizinho Irã, sabia que dependia dos EUA, mas não mostrava muita confiança no invasor, enquanto os curdos tinham consciência de sua total dependência dos americanos para terem alguma chance.

Diante da impossibilidade de acordo entre os diferentes grupos, Al Caeda, sunita, aliada aos antigos partidários de Saddam, apostou no conflito sectário com os xiitas. Quase levou o país a uma guerra civil capaz de envolver vizinhos poderosos como a Arábia Saudita, sunita, e o Irã, xiita, a partir do ataque à mesquita xiita de Samarra, em 22 de fevereiro de 2006.

Com a violência generalizada, os EUA chegaram a cogitar uma retirada imediata que deixaria o Iraque numa guerra civil e até mesmo a divisão do país entre seus grupos étnicos e religiosos, tese defendida pelo atual vice-presidente, Joe Biden, durante a campanha eleitoral de 2008. Só revelou sua profunda ignorância.

Bush optou por um reforço de tropas. Sob o comando do general David Petraeus, os EUA criaram um perímetro de segurança na superfortificada Zona Verde, no centro de Bagdá, e a partir daí começaram a expandi-la. Tiveram apoio decisivo dos líderes tribais sunitas, que não queriam viver sob o extremismo que os salafistas d'al Caeda queriam impor ao país. Com armas e treinamento americanos, eles derrotaram os seguidores de Ossama ben Laden.

Quando o presidente Barack Obama assumiu, em janeiro de 2009, tinha a preocupação de acabar com uma guerra que ele sempre foi contra, como mostram seus pronunciamentos e votos da época da invasão. Ele anunciou a retirada que está terminando agora.

A Guerra do Iraque derrubou os governos da Espanha, Portugal e Reino Unido, que participaram da invasão. Bush não elegeu seu sucessor muito mais pela crise econômica.

Há poucos dias, Obama recebeu na Casa Branca o primeiro-ministro iraquiano Nuri al-Maliki. Com cautela, Obama afirmou que o Iraque é hoje um país melhor do que na era Saddam, tentando desculpar os EUA pela invasão sem dar munição à direita republicana, que o acusa de ser fraco em defesa e segurança nacional, apesar da morte de Ben Laden e da queda e morte do ditador líbio Muamar Kadafi.

Mas há sérias dúvidas sobre as credenciais democráticas de Maliki. Aliado do Irã, onde viveu exilado, ele não mostrou sinal de dar o menor apoio ao cerco diplomático que os EUA querem impor para pressionar a república islâmica a desistir de fabricar armas atômicas. Também não se manifestou quanto à guerra civil na vizinha Síria, aliada do Irã.

No plano interno, o vice-primeiro-ministro sunita, Saleh al-Mutlaq, deixou claro nos últimos dias que não confia em Maliki, a quem acusa de não querer dividir o poder. Além da proximidade com o Irã, o governo de maioria xiita teria lançado numa nova perseguição aos partidários do antigo regime e do partido Baath, de Saddam Hussein.

Quanto às causas da invasão, o chefe da missão de inspetores da ONU para armas químicas e biológicas no Iraque, o embaixador sueco Hans Blix, está convencido de que o verdadeiro motivo foi o petróleo do Iraque, argumento considerado mais provável ou até evidente por analistas de esquerda.

Talvez a questão seja mais complicada. As armas de destruição em massa foram apenas um pretexto. O senador John Kerry, que perdeu a eleição presidencial de 2004 para Bush, argumentou num debate da campanha, com base nas informações secretas a que tinha acesso, que pelo menos 34 países representavam uma ameaça maior à segurança dos EUA do que o Iraque de Saddam Hussein.

Em 12 de setembro de 2001, um dia depois dos atentados terroristas contra Nova York e o Pentágono, o subsecretário da Defesa Paul Wolfowitz, talvez o principal articulador da guerra, propunha a invasão do Iraque como parte da resposta, embora não houvesse qualquer indício de ligação de Saddam com extremistas muçulmanos.

Os EUA precisavam mostrar ao mundo e aos árabes, e especialmente aos islamitas radicais, que estavam prontos para ir à guerra e matar ou morrer pela pátria, que não eram covardes governados por mulheres como dizia Ben Laden. Queriam dar uma demonstração de força tomando um país árabe.

Até 10 de setembro de 2001, Saddam era o maior inimigo dos EUA no mundo árabe. A possibilidade de uma aliança de Saddam com Al Caeda era remota porque ele sabe que seria engolido pelo jihadismo.

Uma hipótese conjuga a necessidade de reafirmar sua presença militar no Oriente Médio com o interesse em garantir o suprimento de petróleo, motivo da importância geopolítica da região.

Ao escolher sauditas como 15 dos 19 terroristas suicidas do 11 de Setembro, Ben Laden queria abrir uma brecha nas relações entre os EUA e a Arábia Saudita, sua pátria, berço do Islã e sede das cidades sagradas de Meca e Medina, um país conspurcado, na visão salafista, pela presença de forças militares americanas.

A inesperada força d'al Caeda trouxe o fantasma de uma revolução islâmica na Arábia Saudita, que detém mais de 25% das reservas mundiais conhecidas de petróleo. Ao invadir o Iraque, os EUA teriam um novo país para onde remover suas forças sem retirá-las do Oriente Médio e acesso às que eram consideradas na época as segundas maiores reservas mundiais de petróleo.

Os contratos assinados pelo governo do Iraque com a companhias de petróleo da China derrubam a hipótese de que um dos motivos por trás da invasão seria restringir o acesso chinês às fontes de energia de que necessita para manter seu extraordinário crescimento econômico. A Exxon e a Shell têm enfrentado dificuldades. Estão ameaçadas de ter de sair do Iraque, o que indicaria que não há privilégios para empresas dos EUA e do Reino Unido.

Uma cerimônia em Bagdá marcou hoje o fim de uma guerra que custou mais de US$ 1 trilhão ao povo americano, contribuindo para aumentar o déficit e a dívida pública do país.

Com a presença do secretário de Defesa, Leon Panetta, que viajou secretamente a Bagdá, a bandeira americana foi retirada do aeroporto da capital iraquiana como símbolo da retirada final, reporta a TV pública britânica BBC. Ficam apenas cerca de 160 soldados para proteger a Embaixada dos EUA.

Os americanos deixam o Iraque sem honra nem glória, depois de uma guerra desastrosa. Chegaram em 20 de março de 2003, com um bombardeio devastador para chocar e apavorar os iraquianos. Deixam um país arrasado, com um conflito sectário e um sistema político que não funciona, adverte o jornal The New York Times. Saem praticamente em silêncio.

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