quinta-feira, 19 de maio de 2011

Obama relança política para Oriente Médio

Em um discurso histórico no Departamento de Estado, o presidente Barack Obama está anunciando agora a nova estratégia dos Estados Unidos para o Oriente Médio depois revoluções no mundo árabe. Vou tentar acompanhar ao vivo e finalizar o texto depois.

Pela primeira vez, um presidente dos EUA defendeu a criação de uma Palestina independente nas fronteiras da Cisjordânia e da Faixa de Gaza anteriores à guerra de 1967.  Obama prometeu ajuda econômica para a transição democrática na Tunísia e no Egito, dizendo que os americanos devem estar ao lado do povo contra os tiranos. E advertiu o ditador da Síria, Bachar Assad, a realizar reformas ou deixar o poder.

"Há seis meses, assistimos a uma extraordinária mudança no Oriente Médio e no Norte da África. Os povos se levantam para defender os direitos humanos. Dois líderes caíram. Outros devem segui-los", afirmou.

Depois de uma década marcada por duas guerras, disse Obama, "estamos fazendo um grande esforço. Retiramos 100 mil soldados do Iraque. Vamos começar a retirar do Afeganistão em julho, e demos um duro golpe na Al Caeda ao matar Ossama ben Laden".

Em seguida, ele atacou a imagem de mártir do líder terrorista: "Ben Laden não é nenhum herói, acredita na violência do terrorismo. Precisamos focar no que constrói. Antes mesmo de sua morte, Al Caeda já estava em declínio. Para a grande maioria da região, sua ideologia era um beco sem saída, enquanto outras pessoas começavam a lutar para tomar conta de seu próprio destino".

O presidente americano lembrou então Mohamed Bouazizi, o jovem universitário desempregado do interior da Tunísia que se incendiou em 17 de dezembro de 2010 depois de ter sua banc a de venda de frutas apreendida pela polícia, deflagrando a revolução democrática.

Como "o desejo de liberdade estava crescendo há décadas, esse simples ato de desespero levou milhares de pessoas às ruas. Apesar da violência da polícia, eles resistiram até a queda de um ditador que estava há 23 anos no poder", acrescentou.

Na opinião do presidente dos EUA, a revolta explodiu porque, "em muitos países, gente humilde como aquele ambulante não tem a quem recorrer: Justiça, eleições, partidos, movimentos sociais - nada disso existe".

Obama admitiu que há países ricos na região por causa do petróleo, mas alegou que isso não basta para ser um país bem-sucedido no mundo globalizado e na economia do conhecimento do século 21: "Os acontecimentos dos últimos seis meses mostram que a repressão não funciona mais. A televisão por satélite e a Internet revelam outro mundo. É um mundo onde países como Indonésia, Índia e Brasil fazem extraordinários progressos".

Em seguida, ele contrastou os avanços entre duas formas de lutar pelo poder: "O movimento pela democracia conseguiu em seis meses o que os terroristas não lograram em décadas". Ele admitiu que "serão necessários anos para mudar a realidade. Haverá bons e maus dias, ferozes disputas de poder. Que papel os EUA podem desempenhar?"

Obama reconheceu que há grandes diferenças a serem superadas: "Há décadas, os EUA defendem seus interesses na região contra a proliferação de armas nucleares e o terrorismo, e para garantir o livre fluxo de petróleo, proteger Israel e promover negociações de paz. É preciso superar a desconfiança de que os EUA defendem seus interesses às custas dos países da região. Isso criou um fosso entre os EUA e o mundo árabe."

Em discurso na Universidade do Cairo, "há dois anos, defendi uma nova relação baseada no respeito mútuo. O status quo não é sustentável. Está baseado em falhas geológicas que mais cedo ou mais tarde vão se abrir."

A desconfiança mútua e o declínio relativo do poder americano exigem humildade em Washington, receitou Obama: "Não deve haver dúvida de que os EUA aplaudem a autodeterminação e a criação de oportunidades. Devemos agir com humildade. Não foram os EUA que colocaram as pessoas nas ruas de Túnis e do Cairo. Foi o povo que tomou a iniciativa. É o povo que deve decidir seu destino. Alguns grupos podem não estar de acordo com nossa visão de longo prazo para a região, mas temos de respeitar a pluralidade".

Ele citou alguns princípios: "Os EUA são contra o uso da força contra a população civil  e defendem valores básicos: liberdade de expressão e de associação para fins pacíficos, direitos para as mulheres, direito de escolher seus líderes. Apoiamos reformas políticas e econômicas que proporcionem uma vida melhor aos povos."

O esforço inicial será concentrado no Egito e na Tunísia, para que o sucesso de suas transições para a democracia sirva de inspiração assim como aconteceu com suas revoluções: "Precisamos tomar ações concretas com todas as armas diplomáticas a nosso alcance. Será política dos EUA apoiar reformas e democratização, a começar pela Tunísia e o Egito, que podem dar bons exemplos com eleições livres e limpas, e liderança regional positiva."

Obama defendeu em seguida a intervenção militar na Líbia: "Infelizmente, até agora, algumas manifestações populares foram respondidas à força. O exemplo mais notório é a Líbia, onde o coronel Kadafi chamou os manifestantes de ratos. Conseguimos um mandato das Nações Unidas para a ação militar e evitamos a morte de milhares. Agora, o tempo trabalha contra Kadafi. Ele não controla mais o país. A oposição formou um conselho de transição. Quando Kadafi cair, décadas de provocação irão junto."

Na Síria, "o regime também optou por matar ou prender os rebeldes. Por isso, impusemos ontem sanções à liderança síria. O presidente Bachar Assad tem uma escolha: lidera a transição ou sai do caminho. A Síria deve parar de matar seu povo, permitir a presença de monitores internacionais e iniciar um diálogo nacional."

O presidente americano criticou o apoio iraniano à repressão: "Até agora, a Síria tem apelado ao Irã para obter ajuda na repressão. Isso mostra a hipocrisia do regime iraniano, que apoiou manifestações em outros países mas apoia seu aliado Assad. O povo iraniano foi o primeiro a sair às ruas para pedir democracia, em 2009. Insistimos que o povo iraniano também merece seus direitos universais. O regime tenta fazer a bomba atômica e apoia o terrorismo."

Dois pequenos países aliados de Washington não escaparam da recriminação: "No Iêmen, é hora do presidente Ali Abdullah Saleh cumprir sua promessa de sair. No Bahrein, um antigo aliado dos EUA, o governo precisa criar condições para o diálogo, o que é impossível quando o líder da oposição está preso."

No Iraque, "o povo rejeitou o terrorismo e preferiu a democracia". Há um excesso de otimismo nesta visão. O importante cientista político americano Parag Khanna previu hoje aqui no Rio de Janeiro uma guerra entre Arábia Saudita e Irã pelo controle do Iraque."

Quem quiser promover a democracia e a liberdade, terá apoio, prometeu Obama: "Se vocês correrem os riscos da reforma, terão amplo apoio dos EUA. Precisamos ir além da elite, entrar em contato com os jovens que serão o futuro desses países, desenvolver tecnologia, combater doenças. Precisamos desenvolver tecnologias para ouvir o povo."

Só eleições não bastam: "A democracia não vem só das urnas. É preciso informação. No século 21, informação é poder. O futuro dos governos vai depender do nível de informação de seus cidadãos. Os EUA respeitam o direito de todas as vozes pacíficas e democráticas serem ouvidas. Vamos nos opor a qualquer tentativa de um grupo de impor sua vontade sobre os outros, procurando confronto em vez de consenso. A democracia exige tolerância e proteção das minorias."

Um valor fundamental é a liberdade religiosa: "No Cairo, muçulmanos e cristãos lutaram juntos pela democracia. Igrejas não devem ser destruídas no Cairo, assim como mesquitas xiitas no Bahrein também não. Os direitos universais são iguais para homens e mulheres. Vamos apoiar programas materno-infantis e mulheres que quiserem abrir seus próprios negócios."

Para consolidar as reformas liberalizantes, a prosperidade é fundamental: "A segunda maneira de ajudar é contribuir para o desenvolvimento econômico dos países que abraçarem a democracia. A maior preocupação das pessoas é dar comida e conforto a suas famílias. Muita gente na região tem excelente educação, mas a crise econômica, a corrupção e o clientelismo lhes negam oportunidades."

"O grande recurso inexplorado da região é o talento de seu povo. Não estranho que um dos líderes das manifestações populares no Egito seja um diretor do Google. Transições democráticas dependem de crescimento e da distribuição ampla de seus benefícios, de investimentos e não apenas de ajuda. A economia precisa gerar empregos para os jovens."

Um programa de ajuda está sendo feito: "Na próxima semana, o Banco Mundial deve fazer programas de desenvolvimento para o Egito e a Tunísia. Não queremos um Egito democrático da sobrecarga de dívidas do passado. Vamos reduzir a dívida em US$ 1,5 bilhão. Vamos dar créditos de US$ 1 bilhão e ajudar a recuperar o que foi roubado pelos ditadores. A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) vai dar US$ 2 bilhões para programas de reforma."

O potencial de crescimento é evidente: "Os Estados Unidos pretendem lançar uma nova parceria economia. Toda a região exporta tanto quanto a Suíça. É preciso construir um mecanismo para o comércio regional. A prosperidade exige derrubar barreiras, a corrupção, a burocracia, o apadrinhamento e o tráfico de influência, respeito aos direitos humanos e reformas econômicas."

Por fim, Obama falou da busca pela paz entre Israel e os árabes: "Para os palestinos, é uma humilhação viver sob ocupação. Para os israelenses, há um risco de segurança permanente. O peso do conflito afeta toda a região. Há dois anos, meu governo tenta acelerar esse processo, mas as expectativas foram frustradas. Israel continua a colonização. Os palestinos abandonaram mais uma vez a negociação".

O presidente americano acredita que as revoluções árabes tornam ainda mais urgente a paz: "As tentativas de desestabilizar Israel falharam. O reconhecimento da independência da Palestina, em setembro, pela Assembleia Geral da ONU não vai criar um país independente. Nosso compromisso com a segurança de Israel é inquebrantável. Precisamente por causa de nossa amizade é importante dizer a verdade. O status quo é insustentável."

Ele advertiu o governo direitista linha dura de Israel, que boicotou as negociações diretas com os palestinos: "Cada vez mais a tecnologia vai tornar mais difícil para Israel se defender. O sonho de um Estado judaico livre não pode conviver com uma ocupação permanente. Nem os EUA nem ninguém podem impor a paz. O que a comunidade internacional pode dizer é que uma paz duradoura exige a existência de dois países. A base destas negociações é clara: uma Palestina viável e segurança para Israel."

Pela primeira vez, um presidente dos EUA defendeu a criação um estado nacional palestino independente com base nas fronteiras da Cisjordânia e da Faixa de Gaza anteriores à Guerra dos Seis Dias: "Acreditamos que as fronteiras devem ser as anteriores à guerra de 1967, com trocas consensuais para acomodação. É preciso garantir a segurança de Israel, combater o terrorismo e o tráfico de armas. A duração desse período de transição deve ser acertada."

Obama espera lançar assim as bases para as negociações: "Sei que só isso não vai resolver o problema, mas tomar essa iniciativa agora é o melhor para as aspirações tanto de israelenses quanto palestinos.  Sei que não será fácil voltar à negociação. O acordo entre a Fatah e o Hamas complica a situação. Como negociar com quem nega seu direito de existir?"

A opção para ele é um futuro de paz ou essa guerra sem fim: "Estou convencido de que a maioria dos israelenses e palestinos quer olhar para o futuro em vez de ficar preso às armadilhas do passado. A única esperança de progresso é ver a face do conflito, disse um pai que perdeu três filhas num bombardeio israelense a Gaza. Ele optou por não aderir ao ódio."

Com a revolta em que as ruas árabes se levantaram contra seus tiranos, e não contra os EUA e Israel, surge uma grande chance de progresso: "A escolha é entre ódio e esperança, entre os problemas do passado e a possibilidade de um futuro melhor. Vimos sírios enfrentando balas com a palavra pacífico. Em Bengázi, sob ameaça de ataque, eles festejaram as liberdades que nunca tinham tido."

Ao encerrar, o presidente traçou um paralelo entre a luta pela liberdade dos negros em seu país e as revoluções árabes: "Os EUA viveram uma longa guerra civil para lutar pela liberdade e o fim da escravidão. Todos os homens são iguais. Essas palavras devem guiar nossa política para o Oriente Médio. Todo homem e toda mulher têm direitos universais. Os EUA foram fundados sobre a crença de que o povo deve se autogovernar. Assim, teremos um mundo mais pacífico e mais próspero."

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