quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Lobo toma posse em país com instabilidade crônica

Sete meses depois do golpe que depôs o presidente José Manuel Zelaya, o conservador Porfirio Lobo Sosa, do Partido Nacional, toma posse hoje na presidência de Honduras, um dos países mais pobres da América, com uma história marcada por uma instabilidade política crônica.

Lobo foi eleito em 29 de novembro de 2009, mas poucos países reconheceram o resultado, já que a sociedade internacional exigia a recondução de Zelaya ao cargo.

Em mais uma vitória para os golpistas, Zelaya deve sair hoje da Embaixada do Brasil, onde está asilado desde 21 de setembro, e viajar para a República Dominicana.


Como mostram os acontecimentos dos últimos meses, é a clássica república de bananas, um país pequeno e pobre, segundo ou terceiro mais pobre do continente, disputando com Guiana e Nicarágua pra ver quem é mais miserável depois do Haiti.

Com montanhas e vales escarpados, o país enfrenta problemas de integração física e tem duas cidades importantes. A capital fica perto da costa do Oceano Pacífico e San Pedro Sula no Norte, mais perto do Mar do Caribe, onde se desenvolveu a cultura da banana.

A partir de 1870, consolidada a independência política, a Guatemala, a Costa Rica e a Nicarágua investem na produção de café. Era difícil para Honduras por causa dos problemas de transportes.

O governo hondurenho apostou na mineração (ouro e prata). Só um país da América Latina se desenvolveu com a mineração, o Chile, como ensinaram Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso, taxando e usando a arrecadação de impostos para desenvolver outros setores da economia.

Mas Honduras estava fora do mercado internacional nos 1870s. A falência de um projeto de construção de uma ferrovia interoceânica terminara em escândalo financeiro e uma dívida de 30 milhões de libras esterlinas, uma das maiores dívidas per capita do mundo na época.

Então a New York & Honduras Rosario Mining Co. tomou conta do negócio até o fim do século.

A partir de 1898, chegaram as companhias bananeiras, primeiro a Standard Fruit, depois a Cuyamel Fruit, em 1911, e a United Fruit, em 1912. Essas três empresas foram responsáveis por uma expansão econômica que levou Honduras a se tornar o maior exportador mundial de bananas, em 1928, um ano antes da Grande Depressão.

Nas primeiras décadas do século passado, os candidatos presidenciais eram apoiados por companhias bananeiras diferentes, que assim dominavam a política e a economia do país, peitando até o Departamento de Estado americano.

Não houve industrialização do país, a não ser algumas tentativas de diversificar a produção das companhias bananeiras.

Em 1923, no período de crescimento, uma eleição presidencial com três candidatos fortes provocou uma guerra civil com intervenção americana em março de 1924 (época em que os EUA ocupavam o Haiti).

Os fuzileiros navais foram embora depois da assinatura do Pacto de Amapala, em maio de 1924. Desde aquela época, os partidos Liberal, criado no século 19, e Nacional, fundado em 1923, dominam a política hondurenha.

Na verdade, esses são partidos da elite. Ao aderir à Alba (Alternativa Bolivarista para a América), Zelaya deu uma guinada à esquerda para a qual não tinha apoio político nem institucional. Deve criar um partido ou movimento para ocupar a esquerda do espectro político hondurenho.

Se o golpe serviu para algo, foi para institucionalizar essa força política de esquerda.

Durante a Grande Depressão, Honduras foi um dos poucos países latino-americanos que não caloteou sua dívida externa. Desde 1929, restavam duas grandes empresas bananeiras: a United Fruit e a Standard Fruit.

As bananas eram 90% das exportações e um terço do PIB de Honduras. Como em toda monocultura, as flutuações no preço da banana embalavam ou freavam a economia hondurenha.

Em 1932, quando a Depressão chegou a Honduras, as empresas tentaram reduzir salários e enfrentaram uma greve informal. Os sindicatos eram proibidos em Honduras até meados dos anos 50.

O período democrático foi curto: 1924-32.

Em 1933, em plena crise e em meio a uma revolta de líderes da oposição liberal, assume Tiburcio Carías, do Partido Nacional, que usa o estado de sítio para mandar os inimigos para o exílio, reduzir os poderes do Congresso e dos governos municipais.

Um ano antes das eleições de 1936, o Congresso se transformou em Assembleia Constituinte e prorrogou o mandato de Carías até 1942. Em 1939, o Congresso prorrogou o mandato de Carías até 1948. Isso explica, em parte, a reação da elite dominante à tentativa de Zelaya de convocar um plebiscito sobre uma Constituinte que reescreveria a Constituição.

O Cariato rompeu a tradição hondurenha de governos fracos, guerras civis e rápida troca de presidentes às custas da incipiente democracia que houve no país entre 1924 e 1932.

Carías criou o Ministério da Guerra, introduziu o serviço militar obrigatório em 1935 e começou a mandar oficiais para treinamento nos EUA (ou na Escola das Américas, que funcionava no Canal do Panamá).

Quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, Honduras foi junto (e o Brasil também).

O Cariato foi o mais longo período de estabilidade política da História de Honduras, mas não reverteu o declínio econômico do país.

Em 1933, o país tinha a segunda maior renda per capita da América Central, atrás apenas da Costa Rica. Em 1942, era o país mais pobre de todo o continente americano, atrás apenas do Haiti, que é uma ilha. Em 1943, a renda per capita era 36% do pico de 1930.

Um relatório feito por uma missão americana  em 1943 apontou como problemas a debilidade do setor bancário, o descaso com a agricultura, o alto custo do crédito e a anarquia na emissão de moeda, já que Honduras não tinha banco central.

Durante a guerra, as companhias bananeiras chegaram a plantar borracha para ajudar no esforço de guerra.

Com a queda nas exportações de banana por causa da Depressão, Honduras diversificou a produção incluindo madeira, algodão e açúcar na pauta da exportações. Zelaya é fazendeiro e exportador de madeira.

A guerra trouxe como bônus a PanAmerican Highway e o Acordo Pan-Americano do Café. No final do Cariato, a produção de café tinha dobrado.

Carías indicou o successor em 1948, Juan Manuel Gálvez (1949-55), mas foi derrotado quando se candidatou em 1954 e não apelou para a guerra civil.

No mesmo ano, a United Fruit e a CIA patrocinavam o primeiro golpe de Estado da Guerra Fria na América Latina, na Guatemala, contra o presidente Jacobo Árbenz.

Ex-advogado da United Fruit e ex-ministro da Guerra de Carías, Gálvez não parecia um reformista. Mas introduziu o imposto de renda, obrigando as bananeiras a pagar 15% do lucro, criou um banco de desenvolvimento e um banco central, em 1950, e lançou as bases de mais um período considerado democrático, que vai até 1963, quando os militares tomam o poder.

Gálvez acabou com a repressão da ditadura de Carías. Os presos políticos foram soltos e o Partido Liberal pode agir livremente, mas pequenos grupos marxistas foram perseguidos e banidos. O governo de Honduras apoiou o golpe contra Árbenz na Guetamala.

Nesta época, também houve grande construção de estradas de ferro e de rodagem, que finalmente integraram o país.

Em 1954, as bananas representavam 50% das exportações hondurenhas.

O governo reagiu com dureza a uma greve no setor bananeiro no momento em que o exército golpista de Carlos Castillo Armas esperava o sinal para invadir a Guatemala. Toda a comissão de greve foi presa.

Sob pressão da central sindical americana AFL-CIO, as bananeiras acabaram negociando aumentos de 10% a 15%. Nos próximos cinco anos, demitiram metade dos trabalhadores hondurenhos por problemas na produção e a concorrência do Equador, um dos grandes exportadores mundiais.

Também em 1954, os EUA assinaram um acordo militar com Honduras que vigora até hoje. Desde 1983, os americanos ocupam a base militar de Palmerola, centro de operações na luta contra o governo sandinista na Nicarágua e a guerrilha salvadorenha.

Com o resultado das eleições indefinido entre três candidatos, Julio Lozano, que substituíra Gálvez por motivo de doença, declarou a si mesmo presidente em exercício.

Para evitar mais uma guerra civil, os partidos acabaram concordando. Em troca, em 1955, as mulheres ganharam direito a voto e foi introduzida a Carta Fundamental dos Direitos Trabalhistas, cobrindo todos os aspectos legais, do salário mínimo à negociação coletiva.

Diante da debilidade do regime, na Constituição de 1957, os militares conquistaram o direito de intervir em futures crises constitucionais. Isso ajuda a entender por que eles detonaram Zelaya sem explicações.

As eleições de 1957 deram ampla vitória aos liberais na Constituinte. Três anos depois de ser o mais votado mas não levar, o Dr. Ramón Villeda Morales (1957-63) assumiu a presidência.

Villeda se apresentava como um social-democrata. Não fugiu ao personalismo caudilhista que marca até hoje a política hondurenha.

Como hoje, na era de Zelaya e Micheletti, o Partido Liberal era um amálgama de diferentes caciques. A obsessão anticomunista acirrada pela Revolução Cubana criou um clima reacionário e um tratamento completamente diferente do dispensado às ditaduras na Nicarágua, em El Salvador e na Guatemala.

A indústria da banana nunca se recuperou. O desemprego no campo provocou agitação social, com a formação da Federação Nacional dos Camponeses Hondurenhos para lutar pela reforma agrária.

A reforma agrária nunca foi radical e contou com a oposição das múltis bananeiras. Villeda temia o inimigo externo, o comunismo, mas foi derrubado pelos militares. Desde 1959, houve uma série de revoltas da Guarda Civil, que entrou em choque com as Forças Armadas.

Dez dias antes das eleições de 1963, em que os liberais lançaram o anti-imperalislta Modesto Rodas Alvarado, os militares, liderados pelo coronel brigadeiro Osváldo López Arellano, derrubaram Villeda, iniciando uma sucessão de governos militares que iria até 1982, quando foi aprovada a atual Constituição, que Zelaya queria reformar.

Kennedy não reconheceu o governo golpista, mas Lyndon Johnson gostou do anticomunismo da ditadura numa região crítica da Guerra Fria (morreu muito mais gente na América Central, na Guatemala, na Nicarágua e em El Salvador, do que na América do Sul). Johnson reforçou a aliança militar com Honduras.

As ditaduras militares centro-americanas fizeram pactos anticomunistas abençoados por Washington, o que não impediu a chamada Guerra do Futebol, em 1969, provocada por uma confusão de uma eliminatória da Copa de 1970.

Na verdade, havia uma série de problemas de imigração de salvadorenhos pobres que iam tentar a vida em Honduras, que ten uma densidade populacional menor mas não tinha condições econômicas de absorver migrantes. Problemas de fronteira e acesso a terra causaram o conflito.

Quando Honduras decidiu expulsar os salvadorenhos, o Exército de El Salvador invadiu, em 14 de julho de 1969.

A guerra não deu glória a nenhum dos lados, e a OEA se apressou em evitar um vexame maior do Exército de Honduras.

Durante os anos 70 e 80, especialmente depois da vitória da Revolução Sandinista na Nicarágua, Honduras se tornou o porta-aviões dos EUA.

Foi a base onde foram armados e treinados os contrarrevolucionários que lutaram contra o sandinismo.

Foi também o centro de apoio às Forças Armadas de El Salvador na luta contra a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e da Guatemala contra a União Revolucionária Nacional Guatemalteca. Em 1980, quando começa a guerra civil salvadorenha, sob pressão dos EUA, foi assinado um acordo de paz com El Salvador para permitir ações conjuntas contra guerrilheiros.

A transição do início dos anos 80 foi negociada com os militares. Em 1981, Roberto Suazo Córdova, da ala rodista (anti-imperialista) do Partido Liberal, foi eleito presidente.

Depois disso, o general Gustavo Álvarez Martínez, expoente da ditadura e um dos favoritos de Ronald Reagan, foi nomeado comandante das Forças Armadas. Em 1984, foi afastado por querer provocar uma guerra contra a Nicarágua.

No fim do governo Reagan, com o escândalo Irã-Contras, diminuiu a pressão americana para que Honduras fosse a principal base dos contras.

Em 1989, tardiamente, Honduras aderiu aos grupos de Contadora e Apoio a Contadora, que evoluíram para o Grupo do Rio, na busca de soluções negociadas para a paz na América Central. Seu governo pediu a desmobilização dos contras.

A Guerra Fria chegava ao fim. Uma série de acordos de paz foi negociada a partir da aproximação Reagan-Gorbachev, levando a paz à América Central, ao Vietnã, ao Camboja, ao Sul da África e tantas outras regiões do mundo onde conflitos locais haviam sido enquadrados e exacerbados pela lógica da Guerra Fria.

O governo civil, a partir de 1982, coincidiu com uma recessão mundial causada pelo segundo choque do petróleo, depois da Revolução Iraniana de 1979, com queda nos preços dos produtos primários e aumento dos juros para enfrentar a inflação nos países ricos.

Com a crise da dívida externa na América Latina, Honduras recorreu ao FMI.

As leis sociais e trabalhistas, a reforma agrária e o esforço pelo equilíbrio das contas públicas ajudaram a evitar guerras civis trágicas como nos países vizinhos.

São frutos de um reformismo pela metade, marca do poder de uma oligarquia no passado não conseguia enfrentar as transnacionais bananeiras e até hoje, duas décadas depois do fim da Guerra Fria, ainda não conseguiu acabar com a influência dos militares na política.

Essa hipertrofia dos militares hondurenhos, supertreinados e armados como última barreira contra o comunismo se Guatemala e El Salvador caíssem, é mais um dos detritos da Guerra Fria.

O novo presidente, Porfirio Lobo, fez um pacto de governabilidade com outros candidatos antes da eleição, prometendo um plano de investimentos sociais de uma década. É uma tentativa de neutralizar o discurso esquerdista de Zelaya.

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