sábado, 29 de setembro de 2007

América Latina enfrenta desafio da criminalidade

A maior ameaça à segurança da América Latina vem de uma subclasse social de marginais que travam uma guerra difusa, de baixa intensidade, mas cada vez mais violenta, contra qualquer tentativa do Estado de enquadrá-los.

Durante a Guerra Fria, observa o ex-comandante da guerrilha salvadorenha Joaquín Villalobos em artigo no jornal espanhol El País, haviana região um conflito com o terrorismo de Estados ditadoriais, de um lado, e a violência revolucionária da guerrilha, do outro.

Para entender o conflito atual, Villalobos recorre ao livro New and Old Wars (Novas e Velhas Guerras), da socióloga Mary Kaldor, professora da London School of Economics. Os novos conflitos no mundo pós-Guerra Fria são uma "mistura de guerra, crime e violações de direitos humanos".

O conceito serve para as guerras na antiga Iugoslávia, em Ruanda, no Congo, no Afeganistão, no Iraque, na Al Caeda e nos conflitos sociais latino-americanos. Nessa guerra pós-moderna, a violência é fragmentada, multidirecional, sem regras nem propósito claro, e sustentada por uma economia informal e criminosa, constata o ex-comandante da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de El Salvador, na América Central.

É algo assim como a guerra de todos contra, o mundo anárquico descrito por Thomas Hobbes no clássico Leviatã, em que a vida seria "detestável, brutal e curta".

Como resultado, não há a vitória de um grupo, acrescenta Villalobos, "mas a fragmentação da sociedade e a privatização da violência, com a perda do monopólio da violência pelo Estado. É uma luta entre o mundo cosmopolita da tolerância e do civismo contra extremismos violentos movidos por interesses religiosos, étnicos, nacionalistas ou simplesmente delinqüente".

Na América Latina, não há conflitos étnicos e religiosos, prossegue o ex-líder guerrilheiro salvadorenho, mas há o que pode ser descrito como "uma guerra civil continental contra o crime organizado, as gangues urbanas, a delinqüência e a violência social. A produção e o tráfico de drogas estão ligados à globalização cosmopolita, mas nos nossos países geram uma fragumentação social. Diversos grupos armados tentam cooptar e corromper as instituições, dominar territórios e controlar a população, os mercados e as estradas. Este fenômeno supera en extensão às insurgências políticas do tempo da Guerra Fria e, em distintas proporções, afeta a todos os países".

Esse conflito se desenvolve em terra, mar e ar, "tentando recuperar o controle de fronteiras, mares, instituições, costas, cidades e selvas que tenham caído nas mãos dos delinqüentes", nota o ex-guerrilheiro, que hoje assessora o governo mexicano no combate ao tráfico de drogas.

"O Brasil está em guerra contra quadrilhas que dominam grandes zonas urbanas. Guatemala e Honduras estão fragmentadas por máfias poderosas. A costa atlântica da Nicarágua é um narcoterritório. A Colômbia enfrenta guerrilheiros de esquerda e paramilitares de direita que agora são narcotraficantes. Em El Salvador as gangues superam em número a guerrilha dos anos 80. O México tem seis estados em situação de emergência, sob intervenção de forças federais. E o maior perigo da transição cubana não é uma guerra civil mas impedir que o crime organizado tome o controle da ilha", adverte Villalobos.

A violência política era um instrumento da transformação social, da luta por liberdades duramente conquistadas. Hoje a lumpenização da violência tira a legitimidade do uso da força na luta política, entende o ex-guerrilheiro. Restam alguns grupos em que, na opinião de Villalobos, "velhos e frustrados ideólogos de esquerda" promovem uma violência executada por jovens ativistas que atuam com a violência dos criminosos.

Ao estimular a violência nas ruas e deslegitimar as democracias nascentes, essa esquerda pseudo-revolucionária multiplica e impunidade e a insegurança. A desordem generalizada ajuda as gangues de criminosos e coloca o clamor por segurança acima das reivindicações sociais. É a receita, teme Villalobos, para a volta dos autoritarismos linha-dura.

"A esquerda necessita hoje mais do que nunca de paciência, paz e legalidade", conclui o ex-comandante da FMLN. "O romantismo guerrilheiro da velha esquerda agora é reacionário. O maior perigo para os novos 'combatentes' da esquerda não é morrer como mártires ou heróis, é acabar como mafiosos ou terroristas."

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