segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Ecos do mensalão

Faixa pendurada no carro de som do bloco carnavalesco Simpatia é Quase Amor, que desfilou no domingo de carnaval em Ipanema, no Rio: "O corno é o penúltimo a saber. O último? É sempre o Lula."

domingo, 26 de fevereiro de 2006

Crescimento medíocre prejudica planos de Lula

O crescimento medíocre da economia brasileira em 2005, de apenas 2,3%, foi o segundo pior da América Latina, acima apenas do Haiti, país em estado de guerra civil. Como o suposto sucesso econômico de seu governo é um dos principais argumentos da campanha à reeleição do presidente Lula, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, apressou-se em prever que a economia dará uma "bombadinha" e crescerá 5% em 2006. Mas nem os analistas de mercado mais otimista acreditam nisso. A média das expectativas do mercado está em]ntre 3% e 3,5%.

A principal causa deste crescimento baixo é a taxa de juros real mais alta do mundo. Além de aumentar o custo do dinheiro, os juros altos atraem capital estrangeiros porque a remuneração no Brasil é muito maior do que nos países ricos, o que compensa o risco mais elevado. Em consequência, o real se valorizou diante do dólar e outras moedas fortes, reduzindo a competitividade das exportações brasileiras. O primeiro resultado negativo em 13 meses no balanço de pagamentos, registrado em janeiro, indica que o câmbio está prejudicando as exportações.

Se não fosse pelo extraordinário crescimento da China e de outros países asiáticos, que não param de comprar nossas matérias-primas, a economia brasileira ficaria estagnada. O câmbio sobrevalorizado prejudica as exportações de maior valor agregado, de maior conteúdo tecnológico.

O Brasil está perdendo espaço no mercado internacional para produtos manufaturados. Este é um problema que terá de ser enfrentado pelo próximo governo. O país precisa definir uma política industrial, escolher em que setores pretende se especializar para ser competitivo internacionalmente, além da agricultura, onde o Brasil já é o país mais competitivo.

Na prática, exportamos nossa natureza privilegiada, nossos recursos naturais, nosso verde, nossa água, nossa energia. Precisamos exportar mais inteligência.

sábado, 25 de fevereiro de 2006

Tentativa de golpe nas Filipinas fracassa

Sob ameaça de golpe de Estado, a presidente das Filipinas, Gloria Macapagal Arroyo, decretou estado de emergência nesta sexta-feira, 24 de fevereiro, véspera do 20º aniversário da revolta popular que derrubou o então ditador Ferdinand Marcos. Desde então, houve pelo menos 12 tentativas de golpe militar nas Filipinas, um país que não teve a mesma prosperidade econômica que seus vizinhos, os chamados tigres asiáticos.

Apesar da proibição, a ex-presidente Corazón Aquino liderou uma manifestação pela democracia no distrito financeiro de Manila: “Não podemos deixar que ninguém nos tire outra vez nossa democracia.” Seu marido, o senador e líder oposicionista Benigno Aquino, foi assassinado em 21 de agosto de 1983, no aeroporto da capital, quando voltava para as Filipinas. Esta morte brutal provocou uma onda de protestos que terminou com a queda de Marcos.

Outra manifestação, convocada pela esquerda filipina para pedir a queda de Gloria Arroyo, terminou em confronto com a policia e 25 prisões.

O comandante do Estado-Maior do Exército, general Generoso Senga, informou que havia sido descoberto, “graças à força preventiva do diálogo”, uma conspiração de “elementos desencaminhados”. Pelo menos 14 jovens oficiais golpistas foram detidos, assim como o general Danilo Lim, comandante de uma tropa de elite, os Scout Rangers.

Mas analistas da empresa americana de avaliação de risco Pacific Strategies minimizaram a importância da conspiração, dizendo que a ameaça de golpe faz parte do “teatro político das Filipinas”.

Gloria Arroyo, considerada pela revista americana Forbes uma das quatro mulheres mais poderosas do mundo, foi alvo de um processo de impeachment por corrupção. Em setembro de 2005, a Câmara dos Filipinas rejeitou o julgamento político da presidente.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Ataque a refinaria saudita eleva preço do petróleo

Os preços internacionais do petróleo subiram dois dólares por barril por causa de uma tentativa de atentado terrorista contra uma das maiores refinarias do mundo, Abcaique, responsável por dois terços do petróleo processado na Arábia Saudita, maior produtor mundial, que detém as maiores reservas comprovadas (260 bilhões de barris). Dois veículos carregados com explosivos foram impedidos de entrar na refinaria da empresa Saudi Aramco. Eles tinham passado o primeiro dos três portões quando os guardas de segurança atiraram nos carros, que explodiram. Os dois motoristas e dois guardas morreram. Foi o primeiro grande ataque no país em mais de um ano e o primeiro contra uma instalação petrolífera. Antes, houve ações contra estrangeiros que trabalham no setor petrolífera saudita.

As cotações do petróleo estavam sendo pressionadas em sentidos contrários. Por um lado, aumentaram as reservas dos Estados Unidos, maior consumidor mundial (11 milhões de barris diários), o que tenderia a provocar queda de preços. Por outro, a Nigéria, oitavo exportador mundial, está produzindo 25% a menos desde que rebeldes atacaram instalações e oleodutos, num conflito que causou dezenas de mortes e que ainda não foi controlado. A crise permanente no Iraque contribuiu para que o preço se estabilizasse em torno de 60 dólares.

Nos próximos meses, há uma tendência de queda nos preços pela redução do consumo com o fim do inverno rigoroso no Hemisfério Norte. Mas podem subir a níveis recordes se houver mais problemas políticos nos grandes países exportadores. Como a demanda aumenta muito com o extraordinário crescimento da Ásia, sobretudo da China e agora também da Índia, a procura está muito próxima da oferta, o que torna o mercado muito nervoso. Qualquer ameaça de redução na oferta provoca altas.

Uma rebelião fundamentalista na Arábia Saudita, pátria de Ossama ben Laden e de 15 dos 19 terroristas que atacaram os EUA em 11 de setembro, é o maior pesadelo dos analistas internacionais do mercado de petróleo. Pela estimativa do ex-todo-poderoso ministro do petróleo saudita Ahmed Zaki Yamani, hoje dono de uma empresa de consultoria em Londres, um ataque importante contra o setor petrolífero saudita poderia provocar uma alta nos preços do petróleo para algo entre US$ 75 e US$ 150. As conseqüências para a economia internacional seriam devastadoras.

A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista. Não tem nem Constituição. Todo o poder está concentrado na família real, que tem 22 mil príncipes, todos riquíssimos e muitos simpáticos à mensagem dos fundamentalistas.

Líder do boicote árabe ao Ocidente depois da guerra árabe-israelense de 1973, a Arábia Saudita não usou o dinheiro do petróleo para promover o desenvolvimento industrial. Boa parte da renda do petróleo foi aplicada no mercado internacional, especialmente em Londres e Nova Iorque. Com a posterior queda dos preços do petróleo, a situação econômica do país se agravou. A renda per capita caiu de US$ 22 mil para US$ 8 mil por ano. Acabaram em parte os benefícios de um sistema que garantia uma vida confortável. Enquanto no Irã, a juventude de classe média urbana se volta para o Ocidente na busca soluções para os desafios do mundo moderno, na Arábia Saudita, pelo menos um terço da população jovem procura respostas na região.

Para conter a dissidência interna de um regime fechado onde não há espaço para o debate político e os costumes são controlados por uma polícia religiosa, a família real faz uma campanha internacional para defender sua versão do islamismo, o wahabismo ou salafismo. É uma seita fundamentalista e extremamente puritana com origem no século 18 que proíbe a música e a dança, entre outras coisas.

Como o Corão proíbe a representação da figura humana, quando a televisão foi implantada na Arábia Saudita, em 1965, Khaled, um príncipe rebelde, ocupou a torre de transmissão. Acabou sendo morto. Em vingança, seu filho Faiçal ben Mussad matou em 1975 o rei Faiçal, que liderara o boicote árabe ao Ocidente em 1973.

O país tem as duas cidades mais sagradas do Islã, Meca, de onde o profeta Maomé teria fugido para Medina, em 622, no episódio conhecido como Hégira, marco do início do islamismo. A família real al-Saud fez desde a fundação do pais, em 1932, um acordo com os clérigos muçulmanos para garantir sua legitimidade como guardiã dos lugares sagrados.

Quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait em agosto de 1990, ameaçando a Arábia Saudita, Ben Laden, que fora enviado saudita para organizar a resistência muçulmana contra a invasão soviética ao Afeganistão, ofereceu ao sultão seus guerrilheiros, os chamados árabes afegãos, para defender o reino. Mas o rei Fahd preferiu convocar seus aliados americanos, o que levou Ben Laden a romper com a família real e a descrevê-la como um fantoche dos interesses ocidentais.

Desde então, Ben Laden e sua rede terrorista al Caeda pregam a derrubada do regime saudita e de todos os outros líderes árabes aliados dos EUA. A possibilidade de uma revolução islâmica na Arábia Saudita é um dos maiores pesadelos dos estrategistas ocidentais.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

A America Latina precisa de reforma social para crescer em niveis asiaticos

A América Latina precisa combater a pobreza com mais agressividade para incorporar suas centenas de milhões de excluídos ao mercado de consumo e assim acelerar seu ritmo de crescimento e poder competir com as economias emergentes da Ásia, afirma um novo relatório do Banco Mundial.

“O desempenho econômico da América Latina nas últimas décadas foi desapontador, deixando a região para trás das dinâmicas economias asiáticas”, comenta Pamela Cox, vice-presidente do banco para a América Latina e o Caribe. “Entre outras coisas, a pobreza está prejudicando o crescimento e, a menos que os problemas dos pobres sejam resolvidos, um crescimento mais robusto será uma ilusão.”

Nos anos 80, a “década perdida” por causa da crise das dívidas externas, a renda média por habitante na região caiu 0,7%. Nos anos 90, cresceu 1,5% ao ano, o que pouco alterou os índices de pobreza. Ao mesmo tempo, a renda per capita da China cresceu 8,5% e a pobreza foi reduzida em 42%.

Com cerca de 25% de seus habitantes vivendo com menos de dois dólares por dia, a América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo. No ano 2000, a renda média na cidade mais pobre do Brasil era de apenas 10% da mais rica; no México a renda per capita no estado de Chiapas de apenas 18% da renda na Cidade do México. Esta má distribuição da riqueza está atrapalhando o desenvolvimento econômico, conclui o relatório Redução da Pobreza e Crescimento: Círculos Virtuosos e Viciosos.

Uma redução de 10% da pobreza significaria um crescimento de mais um ponto percentual por ano, enquanto um aumento de 10% da pobreza provocaria uma queda de um ponto na taxa de crescimento e de até 8% do produto interno bruto no volume de investimentos.

“Para sair de um círculo vicioso para um virtuoso, precisamos lançar um amplo ataque contra a pobreza que aumente o crescimento e leve a uma redução ainda maior da pobreza”, declarou Guillermo Perry, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, um dos autores do estudo. “Combater a pobreza não é bom só para os pobres mas para toda a sociedade”.

Numa estratégia para reduzir a pobreza, o relatório propõem:
• melhoria na qualidade da educação e aumento de oportunidades na educação secundária e na superior,
• mais investimentos em infra-estrutura,
• ampliação do acesso ao crédito e a serviços financeiros’
• manutenção da estabilidade macroeconômica, e
• implementação da políticas sociais efetivas.

Estas medidas são particularmente importantes para complementar políticas como liberalização comercial, importantes para integrar positivamente a região na economia globalizada mas que podem ter impactos negativos a curto prazo em função da concorrência internacional.

“Os benefícios do comércio podem ser reforçados com investimentos em áreas como educação, infra-estrutura e transferências condicionais de recursos para regiões mais pobres e trabalhadores rurais que sofram com a transição”, observou Perry.

A resposta para a crise da dívida externa nos anos 80 foi a redemocratização da América Latina. Nos anos 90, as reformas econômicas de inspiração liberal foram vistas como caminho para o crescimento e a reinserção internacional dos países da região no mundo globalizado. O ideário neoliberal do Consenso de Washington (controle da inflação, redução dos gastos públicos, privatização e liberalização comercial) gerou crescimento mas não melhorou a distribuição da riqueza.

Assim, depois da democratização e das reformas econômicas, a região precisa agora de produndas reformas sociais para se modernizar e enfrentar os desafios do mundo globalizado.

O risco do neopopulismo latino-americano

Com a consolidação do poder de Hugo Chávez na Venezuela, a eleição do líder dos produtores de coca, Evo Morales, para a presidência da Bolívia, e a possibilidade de vitória do militar golpista Ollanta Humala no Peru em maio, um alerta vermelho ecoou no resto do mundo: o populismo está de volta na América Latina.

Em excelente artigo publicado na Folha de S. Paulo de 17 de fevereiro, o historiador Boris Fausto, professor da Universidade de São Paulo, analisa as diferenças entre o populismo clássico, que permitiu um desenvolvimento econômico voltado para dentro anos 40 a 60, e o neopopulismo.

O velho populismo buscava o desenvolvimento com base num tripé: o Estado nacional-desenvolvimentista, a classe trabalhadora organizada em sindicatos e a burguesia industrial que exigia proteção contra a concorrência dos paises ricos.

Já o neopopulismo surge como uma reação antiglobalização, apoiando-se fundamentalmente nas massas marginalizadas, sobretudo urbanas ou indígenas no caso dos paises andinos. Tem sua base nos excluídos, nos trabalhadores desorganizados, subempregados e desempregados, enquanto a burguesia luta para aproveitar as oportunidades oferecidas pelo mercado internacional.

A realidade é que a globalização exigiu a modernização dos sistemas produtivos, com enormes ganhos de produtividade trazidos pela informatização mas, ao mesmo tempo, um enorme aumento do desemprego e da informalidade. Isto coincidiu com a redemocratização, provocando uma descrença na capacidade do regime democrático de resolver os problemas sociais latino-americanos.

Com o desprestígio dos partidos tradicionais das oligarquias e das instituições políticas, abriu-se espaço para o neopopulismo. Sua mais perfeita tradução é o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Depois de tentar um golpe em 1992, Chávez chegou ao poder em 1998 e desde então ganhou nove eleições, assumindo um controle absoluto, quase ditatorial, sobre a máquina do Estado venezuelano.

Nadando em dinheiro com a alta dos preços do petróleo de US$ 10 o barril em 1998 para mais de US$ 60 hoje, Chávez diz estar criando “o socialismo do século 21”. Mas a fórmula dificilmente será aplicável a países sem uma riqueza natural como o petróleo.

A onda neopopulista se propaga sobretudo na região andina. Na Argentina, o presidente Nestor Kirchner, com suas atitudes autoritárias na pior tradição peronista, é um populista mas cuida de manter as contas públicas em ordem e de gerar um superávit primário para saldar suas dívidas. Mas há claramente uma consolidação das instituições democráticas no Cone Sul da América Latina (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile).

Este compromisso com a democracia é a melhor vacina contra tentações populistas. As mudanças sob a democracia podem ser mais lentas mas também são mais estáveis. No Brasil, onde pode-se dizer que a democracia plena começa com a extensão do direito de voto aos analfabetos na Constituição de 1986, já vemos programas de distribuição de renda como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família. Ainda é pouco mas é um sinal de que o peso político dos excluídos começa a ser importante. Pode até ser decisivo nas eleições presidências de outubro próximo.

Tortura e morte nas prisões americanas

Quase cem presos na guerra contra o terrorismo morreram em prisões americanas no Iraque e no Afeganistão desde 2002, denunciou nesta quarta-feira, 22 de fevereiro, a organização não-governamental americana Human Rights Watch (Vigilância dos Direitos Humanos). Pelo menos 34 das 98 mortes foram descritas como homicídios causados por “conduta imprudente ou intencional”.

No relatório Responsabilidade do Comando: as mortes em prisões dos EUA no Iraque e no Afeganistão, outras 11 mortes foram consideradas suspeitas. Entre oito a 12 prisioneiros teriam sido torturados até a morte. Só um dos responsáveis por estas 12 mortes foi punido. A diretora da Human Rights Watch Deborah Pearlstein denuncia a criação de “uma cultura da impunidade”.

O Departamento da Defesa dos EUA admitiu à rádio BBC que as acusações são “muito sérias”, prometendo tomar as medidas necessárias. Mas o embaixador dos EUA no Iraque, Zalmay Khalilzad, tratou de minimizar a importância da denúncia, alegando que os soldados americanos são “seres humanos e, se violam a lei e cometem erros, têm de assumir sua responsabilidade”.

É uma tentativa de atribuir as torturas e mortes a soldados renegados, eximindo da responsabilidade maior os altos comandantes e as altas autoridades civis dos EUA, como se a guerra contra o terrorismo não tivesse criado uma cultura de impunidade em nome da defesa da pátria contra um novo 11 de setembro de 2001. Mas nos julgamentos de direitos humanos, quando há uma prática generalizada de crimes cometidos por uma força militar, a responsabilidade sobre para os chefes. Ou não têm comando para disciplinar suas tropas ou a orientação para usar força excessiva veio de cima, o que parece ser o caso do governo George W. Bush.

O presidente dos EUA tem violado a lei sistematicamente, ao invadir o Iraque, aceitar a tortura, autorizar a escuta telefônica generalizada – tudo em nome do combate ao terrorismo. Há um neomacarthismo no ar. O senador Joseph McCarthy, republicano de Wisconsin, aterrorizou os EUA ao liderar uma cruzada anticomunista de 1950 a 1954, o que provocou uma erosão dos direitos civis no país que se apresentava como líder do mundo livre na luta contra a tirania.

Hoje, mais uma vez, vários crimes são cometidos em nome da liberdade.

A origem da anarquia no Iraque

Os Estados Unidos nunca tiveram o número necessário de soldados para controlar todo o Iraque e suas fronteiras, e defender sua infra-estrutura de ataques dos rebeldes que lutam contra a invasão americana que derrubou Saddam Hussein em abril de 2003. A confissão é de Lewis Paul Bremer, o procônsul americano que governou o Iraque ocupado durante 14 meses até transferir o poder apressadamente a iraquianos em 28 de junho de 2004, depois de meses de grande violência.

No seu livro de memórias, Meu ano no Iraque, resenhado pelo jornal The New York Times www.nytimes.com, Bremer revela que chegou a pedir mais tropas ao Pentágono para controlar a insurgência no Centro e no Sul do Iraque em maio de 2004. Mas tanto a Casa Branca quanto o Pentágono (Departamento da Defesa) sempre rejeitaram a sugestão de que os EUA precisavam mandar mais soldados para o Iraque.

Bremer quis saber na época do general Ricardo Sanchez, supremo comandante militar americano no Iraque, o que ele faria com mais 40 mil soldados: “Eu controlaria Bagdá”, afirmou o general, indicando que a situação na capital iraquiana estava fora de controle. E se tivesse mais tropas?, insistiu Bremer. Patrulharia as fronteiras e protegeria a infra-estrutura, especialmente a indústria petrolífera, alvo preferencial dos terroristas, que querem minar a grande fonte de riqueza do país para inviabilizar o governo. “O Sr. tem mais soldados à disposição?”, perguntou o general.

Para Dexter Filkins, correspondente do NY Times em Bagdá e autor da resenha, era evidente para qualquer um que os americanos não controlavam nem a estrada de acesso ao Aeroporto Internacional de Bagdá, “cena de ataques suicidas diários”. Mas durante seus 14 meses no Iraque, Bremer e o general Sanchez negaram insistentemente que a situação nas ruas fosse de total anarquia, apesar da onda de atentados suicidas e da ação agressiva de milícias e bandos armados.

Em abril de 2004, Bremer declarou que as novas forças de segurança do Iraque tinham 200 mil homens. Quando explodiram insurgências sunita e xiita, estas forças de segurança se desintegraram. Não só não quiserem lutar contra os rebeldes iraquianos que as tinham como alvo preferencial como em muitos casos aderiram à rebelião.

POUCO BOMBEIRO PARA MUITO FOGO
O livro revela que Bremer não confiava naqueles 200 mil iraquianos. “As forças da coalizão estão espalhadas demais no terreno”, escreveu. “Durante os informes de inteligência que recebia de manhã, às vezes me vinha a imagem de uma equipe de bombeiros em número insuficiente correndo para apagar um incêndio atrás do outro.”

Meu Ano no Iraque acaba sendo mais uma acusação contra o governo George W. Bush, o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, e a maneira irresponsável como o Pentágono tratou a administração do Iraque ocupado, ignorando um princípio básico da teoria das relações internacionais. Ao destruir a máquina do Estado de Saddam Hussein, inclusive desmobilizando o Exército e a Policia, o que hoje é reconhecido como grave erro, era preciso um grande esforço de reconstrução do Iraque.

Ao guardarem o silêncio imposto por seus chefes em Washington, tanto Bremer quanto Sanchez são co-responsáveis (ou co-irresponsáveis?) pela anarquia que torna a vida no Iraque ainda pior do que sob a ditadura de Saddam Hussein.

Filkins questiona se mais 30 ou 40 mil soldados seriam suficientes para mudar a situação. A um custo de centenas de vidas americanas e milhares iraquianas, os EUA dominaram as rebeliões de 2004. Mas a anarquia que tomara conta das ruas com a onda de saques que se seguiu à invasão, em março e abril de 2003, nunca foi vencida.

Bremer revela as negociações secretas que teve com o grão-aiatolá Ali al-Sistani, a maior autoridade religiosa xiita do Iraque, e outros líderes nas negociações para fazer um anteprojeto de Constituição, organizar eleições livres e devolver o poder aos iraquianos. Este é o legado positivo de sua tumultuada administração no Iraque. Ele deixou uma estrutura de governo e de uma democracia.

A parte negativa é a anarquia generalizada, com atentados que se repetem a cada dia e um clima de guerra civil agravado pelos ataques a mesquitas em 22 de fevereiro.

Ameaça de guerra civil no Iraque

O presidente do Iraque, Jalal Talabani, que é curdo, pediu calma à população depois de um atentado contra a Mesquita Dourada da cidade de Samarra. Este ataque a um dos lugares mais sagrados para os xiitas é uma clara tentativa da insurgência majoritariamente sunita de tentar provocar uma guerra civil entre árabes das duas principais correntes do islamismo, que disputam o poder no pais. Os sunitas (20%) estavam no poder desde 1638, quando o país caiu sob o domínio do Império Otomano. Continuaram com a república e com a ditadura de Saddam Hussein. Agora, com a realização de eleições sob a ocupação americana, a maioria xiita (60%) chega ao poder.

Eram 7h, hora local, quando rebeldes vestidos como policiais iraquianos, bombardearam a mesquita. A cúpula dourada desabou.

Em retaliação, xiitas atacaram 90 mesquitas, incendiaram três, mataram três imãs sunitas e seqüestraram outro, deflagrando o que o jornal francês Le Monde chamou de "guerra das mesquitas". Mais de 100 pessoas foram mortas em 24 horas. Doze presos sunitas foram retirados de uma prisão em Bássora, no Sul do Iraque. Pelo menos 10 foram encontrados mortos. Há freqüentes acusações dos sunitas de que há milícias xiitas infiltradas nas novas forças de segurança no Iraque que agem como esquadrões da morte perseguindo sunitas e vingando crimes que teriam sido cometidos pela ditadura de Saddam Hussein.

Partidários do jovem aiatolá radical Muktada al-Sader prometeram vingança contra aqueles que “seguiram o caminho errado da religião”, referência aos sunitas.

Depois da morte do profeta Maomé em 8 de junho de 632 em Medina, hoje parte da Arábia Saudita, houve um conflito entre seus seguidores sobre quem seria seu sucessor, o califa, como líder do islamismo. Um dos candidatos era Ali, primo e genro de Maomé. Mas a maioria apoiou um velho companheiro e sogro do profeta, Abu Bakr. Ali foi o quarto sucessor de Maomé. Seu assassinato em Kufa, no Sul do Iraque em 661 reabriu o debate sobre a sucessão.

ORIGEM DO XIISMO
Os partidários de Ali insistiram em que o sucessor deveria sair da família do profeta e seus dois únicos sobreviventes, Hassan e Hussein. Mas os mercadores de Meca e de Medina preferiram o governador rebelde de Damasco, Mu’awyia. Hassan abandonou sua pretensão mas os seguidores de Ali não aceitaram sua decisão. Fundaram o Partido de Ali (Chi’at Ali, em árabe, depois abreviado para Chi’a).

Com a morte do califa em 680, Hussein reivindicou para si mais uma vez o trono de Maomé. Mas ele e 71 seguidores foram massacrados perto de Carbalá, no Iraque, por uma força superior comandada por Yazid, filho de Mu’awyia, que também reinvindicado o califado. Os xiitas relembram este massacre, ocorrido no décimo dia do mês de Moharram no calendário muçulmano, na sua festa religiosa mais importante, a Achura. Eles gritam e se autoflagelam, punindo-se por não terem sido capazes de defender Hussein em Carbalá.

Hussein e seu irmão Abbas estão enterrados em Carbalá, o lugar sagrado mais importante para os xiitas, ao lado do tumulo de seu pai Ali em Najaf, também no Iraque.

O martírio de Hussein e o fatalismo que o cerca são pedras fundamentais do xiismo. Levam a uma certa autovitimização reforçada pelo fato de que os xiitas são minoria (23%) diante dos sunitas (77%) entre o 1,3 bilhão de muçulmanos. São maioria no Irã, no Iraque, no Iêmen, no Azerbaijão, no Líbano e no Bahrein.

As duas principais seitas do islamismo têm mais em comum do que o catolicismo e o protestantismo, afirma Kenneth Pollack em O Quebra-CabeçasPersa:o conflito entre o Irã e os EUA. No islamismo, nunca houve nada equivalente à Reforma e às guerras religiosas que devastaram a Europa nos séculos 16 e 17, provocando a migração dos peregrinos do Mayflower, que fundaram os EUA em 1620.

Uma diferença importante é o conceito do imãnato. Os xiitas acham que a linha de sucessão do profeta passou para Ali e seus descendentes. Pela tradição xiita, houve 12 imãs: Ali, Hassan, Hussein e mais nove. Na mitologia xiita, o décimo-segundo imã foi escondido quando bebê para ser protegido dos inimigos do xiismo. Ele voltará mais tarde como um messias, o Mahdi (a milícia de Al Sader se autodenomina Exército do Mahdi), trazendo uma era de justiça seguida pelo juízo final.

Enquanto os sunitas entendem que Alá (Deus) já deu aos homens todos os ensinamentos necessários através do Corão e das histórias do profeta Maomé, para os xiitas os imãs recebem orientação divina, assim como os papas na Igreja Católica. Como o décimo-segundo imã não voltou, a interpretação dos textos sagrados (o islamismo é uma religião da palavra, não da imagem, como atesta o choque cultural provocado pela publicação de caricatura de Maomé na Europa) passou para lideres religiosos e estudiosos do direito islâmico chamados de mujtahids.

No alto da hierarquia xiita, os grandes mestres eram uma fonte de inspiração (marja-e taqlid), o exemplo máximo da correção religiosa. Desta idéia, o aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica no Irã, em 1979, tirou o conceito de “governo dos jurisconsultos”.

Os candidatos a mulás começam estudando em seminários, as madrassás, de preferência nos grandes centros xiitas nas cidades sagradas de Com, no Irã, e Najaf, no Iraque. Caso se destaquem, podem ser promovidos a hodjatol islam (prova do islã). Se subirem ainda mais na hierarquia, passam a ser aiatolás (sinal de Deus). No topo, vem o grão-aiatolá (grande sinal de Deus), como o iraquiano Ali al-Sistani, líder da Aliança Iraque Unido, a coligação xiita vencedora sem maioria absoluta das eleições parlamentares iraquianas de 15 de dezembro de 2005.

No Irã, o xiismo é dominante desde a conquista de cidade de Tabriz, no Noroeste do Irã, em 1501, pelos safávidas, uma seita xiita militante, mística e sufista. Depois tomaram toda a Pérsia, governando-a até 1736.

No Iraque, os sunitas detinham o poder político e econômico desde que o pais passou do domínio persa para o Império Otomano, em 1638. Saddam Hussein é sunita e sua ditadura, de inspiração secularista, sempre privilegiou este grupo, que hoje está no centro da insurgência contra a nova ordem imposta pela invasão americana em 2003.

Os EUA pediram a formação de um governo de união nacional. Mas o primeiro-ministro Ibrahim al-Jaafari, indicado pela Aliança Iraque Unido, disse que os iraquianos vão cuidar de seus próprios negócios de Estado. Os atentados contra as mesquitam mostram a urgência de criar um processo político que seja capaz de resolver pacificamente os conflitos antes que o país, hoje o grande alvo do terrorismo suicida, exploda numa guerra civil e caia em total anarquia.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Árabes podem controlar portos americanos

O Congresso dos Estados Unidos está reagindo contra a entrega do controle de seis portos americanos (Nova Iorque, Nova Orleans, Baltimore, Filadélfia, Miami e Newark) para a empresa Dubai Ports World, dos Emirados Árabes Unidos.

Dois dos 19 terroristas suicidas que atacaram os EUA em 11 de setembro de 2001 nasceram nos Emirados e vários outros partiram de lá para o território americano. Por isso, diversos deputados, senadores e governadores, inclusive do Partido Republicano, vêem um risco à segurança nacional dos EUA.

O presidente George Walker Bush defendeu-se argumentando que os EAU são um país aliado na “guerra contra o terrorismo. Mas o porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, admitiu na quarta-feira, 22 de fevereiro, que o presidente não sabia que a Dubai Ports World está assumindo o controle da companhia britânica Peninsular & Oriental Steam Navigation, que detém concessões para operar os seis portos.

Uma chance para o Hamas

O Egito rejeitou a pressão dos Estados Unidos para isolar diplomática e economicamente o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), partido fundamentalista que venceu as eleições parlamentares palestinas em 25 de janeiro, se o Hamas não reconhecer o Estado de Israel e não abandonar a luta armada. Ao chegar ao Cairo no início de uma ofensiva diplomática no mundo árabe, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, recebeu um pedido do governo egípcio para que dê uma chance ao Hamas de mostrar como pretende agir como governo.

A Liga Árabe fez um apelo no mesmo sentido à União Européia para que não pare de enviar ajuda econômica aos palestinos. E o ex-presidente americano Jimmy Carter alegou que não se pode punir o povo palestino por ter votado no Hamas. Não dá para pregar a democracia e depois rejeitar o resultado das urnas, como argumentou o secretário-geral da Liga Árabe, Amir Moussa, ex-ministro do Exterior do Egito.

Israel suspendeu a transferência de impostos arrecados nos territórios árabes ocupados para a Autoridade Nacional Palestina, no valor de US$ 50 milhões. Imediatamente, líderes árabes e muçulmanos se uniram para cobrir o rombo. Agora, Israel tenta bloquear uma ajuda oferecida pelo governo fundamentalista do Irã sob a alegação de se tratar de um “investimento terrorista”.

India, superpotencia emergente

A Índia é a nova superpotência emergente, ao lado da China. Com crescimento de 8% ao ano em 2005, mais de 1 bilhão de habitantes, armas nucleares e um regime democrático, a Índia foi a grande estrela do último Fórum Econômico Mundial, de Davos, na Suíça.

Os indianos tentaram convencer os investidores de que estão crescendo a uma taxa elevada sem o formidável volume de investimentos externos diretos recebido pela China. Em entrevista à consultoria McKinsey, o primeiro-ministro Manmohan Singh foi claro: “A Índia aceita a lógica da globalização.” Vai correr atrás de oportunidades de crescimento com o desafio de tirar da pobreza 750 milhões de pessoas.

Agora, o Fundo Monetário Internacional afirma que, se a Índia acelerar o ritmo das reformas liberalizantes iniciadas em 1991 pelo então primeiro-ministro Rajiv Gandhi, poderá manter um ritmo de crescimento de 10% por vários anos equiparando-se à China, a outra superpotência de mais de 1 bilhão de habitantes.

Como a globalização cria uma sociedade da informação e uma economia baseada no conhecimento, países com 1 bilhão de cérebros têm uma vantagem competitiva importante. Seu desafio é alimentar e mobilizar estas mentes para o desenvolvimento econômico.

A Índia tem uma grande quantidade de técnicos e engenheiros formados em inglês por um sistema educacional herdado dos britânicos. É uma superpotência em software. O pólo de informática de Bangalore já é comparado ao Vale do Silício, na Califórnia.

Se a China se tornou a grande fábrica do mundo, a Índia é altamente competitiva em serviços de informática. Até 2005, estima-se que 3,4 milhões de empregos americanos serão exportados, ou terceirizados para países emergentes com custos menores; 80% irão para a Índia. Como a indústria manufatureira responde por apenas 15% do emprego nos EUA e o setor de serviços por 66%, os americanos estão alarmados.

Depois da irresistível ascensão do dragão chinês, agora é o elefante indiano que começa a marchar em ritmo acelerado.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Efeito estufa degela mares

O gelo da Groenlândia está derretando duas vezes mais depressa e a emissão dos gases que provocam o efeito estufa é 30 vezes maior do que na era pré-industrial. Nos EUA, um grupo de evangélicos está pressionando o presidente George W. Bush a tomar medidas efetivas contra o aquecimento do planeta, rejeitadas por industriais, especialmente do setor petrolífero, que temem restrições à economia americana.

A ameaca da gripe das aves

Se virar pandemia, a gripe aviária pode matar 142 milhões de pessoas. O Vietnã teve sucesso contendo a doença com vacinação em massa de aves, sacrifício das suspeitas de contaminação e uma eficiente campanha de comunicação com o público.

Argentina tem crescimento recorde

A Argentina teve um crescimento recorde de 9,1% no ano passado. São 37 meses seguidos de crescimento. A previsão para este ano é de 7% mas vários analistas temem que a inflação, de 12,3% em 2005, complique a recuperação argentina.

Ásia em ascensao

• O Japão cresceu 4,2% no último trimestre de 2005, a uma taxa anual de 5,5%, o que confirma a recuperação da segunda maior economia mundial, de cerca de US$ 5 trilhões anuais.
• A China exportou 172,8 mil veículos em 2005, 27% a mais do que em 2004 e 17 vezes mais do que em 2000. Os chineses pretendem entrar para valer no mercado internacional com um carro popular na faixa de US$ 10 mil.

EUA acusam China de manipular moeda

• O governo dos EUA deve acusar a China de manipulação da moeda, numa ofensiva para reduzir o déficit comercial com os chineses, que foi de US$ 202 bilhões em 2005. Um ministro chinês respondeu que os consumidores americanos estão muito satisfeitos comprando produtos chineses baratos.
• A Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou os incentivos fiscais americanos a empresas como a Microsoft, a Boeing e a Caterpillar.
• As vendas no varejo nos EUA cresceram 2,3% em janeiro e 8,8% em relação a janeiro de 2005, mas uma pesquisa da Universidade de Michigan indica queda na confiança do consumidor.
• O ex-presidente do Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano, Alan Greenspan pode ter sido um mau saxofonista mas terá sucesso como escritor. Seu livro de memórias vai lhe render inicialmente US$ 5 milhões.
• O primeiro pronunciamento do novo presidente do Fed, Ben Bernanke, levou a Bolsa de Nova Iorque ao índice mais alto desde janeiro de 2001. Ele prometeu manter a linha dura contra a inflação, que foi de 0,4% em janeiro, maior índice em um ano. O mercado já estima que a taxa básica de juros nos EUA chegue a 5%.
• Na sua proposta orçamentária, Bush cortou programas sociais mas deu isenções de impostos para companhias petrolíferas.

Suspeitos demais

A Agência de Segurança Nacional dos EUA tem uma lista de 325 mil suspeitos de terrorismo, o que provocou protestos de grupos de defesa dos direitos humanos, que denunciam a erosão dos direitos civis causada pelo neomacarthismo pós 11 de setembro.

Rock em Hamburgo

O dono do Star Club, onde os Beatles tocaram em Hamburgo antes de estourar mundialmente, está lançando um livro de memórias.

Horst Fascher contratou a banda Fats Domino para um show noturno. Quando percebeu que os músicos estavam bebendo uísque em quantidades industriais à tarde, jogou o conteúdo esfarelado de cinco caixas de Preludin em quatro garrafas de uísque que a banda derrubou com facilidade. Nas palavras de Fascher, "era uma quantidade suficiente para despertar uma manada de ursos hibernando".

Depois de tomar quatro garrafas de uísque com cinco caixas de Preludin, a banda não queria parar de tocar.

O livro revela ainda que John Lennon entrava no palco fazendo a saudação nazista, “Heil Hitler”, segurando um pente como o bigodinho do Führer. Os alemães achavam graça.

Certa noite, só havia três beatles em cena. Fascher encontrou Lennon mantendo relações sexuais no banheiro com uma mulher. Jogou-lhe um copo d’água para esfriar a cena, exigindo que Lennon voltasse ao palco. O beatle alegou estar todo molhado: “Estou cagando. Quero você de volta ao palco mesmo que seja nu”.

Lennon levou ao pé da letra. Dois minutos depois, a platéia delirava com gritos histéricos. John tocava sua guitarra só de cuecas, com uma tampa de privada ao redor do pescoço.

Israel corta fundos para o Hamas

Israel rompeu com a Autoridade Nacional Palestina, diante da negativa do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), partido fundamentalista encarregado de formar o novo governo palestino, em abandonar a luta armada e reconhecer Israel. Suspendeu a transferência de impostos mas lideres árabes e muçulmanos se apressam em cobrir o rombo, de US$ 50 milhões.

Ataque ao Irã mataria milhares

Uma possível onda de bombardeios aéreos dos Estados Unidos ou de Israel para destruir o programa nuclear do Irã matará milhares de soldados e civis, deflagrando uma crise com conseqüências muito além do Oriente Médio, com alta imprevisível nos preços do petróleo, aumento do radicalismo dos fundamentalistas muçulmanos e da ameaça de terrorismo suicida.

Será muito difícil destruir todas as instalações nucleares iranianas. Mesmo que fosse possível, o conhecimento tecnológico seria preservado. A bomba nuclear iraniana seria adiada por alguns anos mas não eliminada totalmente. O ataque reforçaria o nacionalismo iraniano, dando mais ímpeto à retomada do programa nuclear.

A advertência está no relatório Irã: as conseqüências de uma guerra, elaborado pelo pesquisador britânico Paul Rogers para o Oxford Research Group, um instituto dedicado à solução pacífica de conflitos. É especialmente preocupante porque alguns analistas acreditam que o prazo para impedir que o Irã desenvolva a tecnologia para fabricar armas atômicas termina este ano.

Se os EUA ou Israel tentarem lançar uma série de “bombardeios cirúrgicos” de surpresa, os americanos usarão aviões estacionados em porta-aviões no Golfo Pérsico e grandes bombardeiros das bases na Grã-Bretanha e de outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que apóiem a operação. Seus alvos serão reatores de pesquisa em Teerã, a capital iraniana, as instalações nucleares de Isfahan, Natanz, Arak e Bushehr, e possivelmente centros de pesquisa de universidades do Irã.

O resultado de quatro a cinco dias de bombardeio seria a morte de milhares de soldados e de pelo menos centenas de civis iranianos, estima Rogers, que na introdução do relatório considera difícil uma saída pacífica para a crise: “Uma solução diplomática para as profundas diferenças entre Washington e Teerã ainda é possível, mas está ficando mais improvável.”

Rogers não faz previsão de data mas observa que a república islâmica e seu novo presidente, Mahmoud Ahmadinejad, não revelam a menor intenção de ceder em busca de um acordo. Ahmadinejad declarou que Israel deve ser varrido do mapa. Israel destruiu em 1981 a usina nuclear iraquiana de Osirak. Agora fortalece-se a proposta entre os falcões israelenses de repetir a operação. Mas os iranianos certamente aprenderam com a experiência do Iraque. Construíram instalações mais protegidas e mais produndas.

No primeiro estudo científico sobre as conseqüências de um bombardeio contra o programa nuclear do Irã, Rogers sugere que o objetivo seria atrasar o surgimento da bomba atômica iraniana em “pelo menos cinco anos”. Ele acredita que tanto os EUA quanto Israel têm capacidade para “danificar severamente os programas nucleares e de mísseis iranianos”. Mas alerta que “o Irã teria muitas maneiras de reagir nos meses e anos seguintes”. Por mais bem-sucedido que seja o ataque, aumentariam significativamente a instabilidade na região mais explosiva do mundo e o terrorismo internacional.

POSSÍVEIS RETALIAÇÕES
Além de usar o petróleo como arma econômica, o que ameaça fazer se for alvo de sanções imposta pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Irã promete lançar uma onda de ataques terroristas suicidas contra alvos americanos em retaliação a um ataque. Pode acionar o Hesbolá (Partido de Deus), a milícia xiita libanesa que sustenta, para disparar mísseis contra o Norte de Israel, e o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), que acaba de vencer as eleições legislativas palestinas e está formando um governo, mas recusa-se a abandonar a luta armada e a reconhecer o Estado de Israel. Pode usar os insurgentes no Iraque para desestabilizar ainda mais o pais ocupado por americanos e bitânicos.

Com a vitória da aliança liberada pelos xiitas nas eleições para formar o primeiro governo iraquiano permanente desde a queda de Saddam Hussein, em abril de 2003, reforça-se a impressão de que até agora o Irã é o grande beneficiário da invasão do Iraque. O novo governo iraquiano ficaria ainda mais sitiado em caso de ataque ao Irã. A maioria xiita não aceitaria mais uma ação militar dos EUA no Oriente Médio.

Um ataque destruiria ainda qualquer possibilidade de negociação sobre o programa nuclear iraniano através das instituições multilaterais, como a ONU e sua Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), “minando os esforços globais pela não proliferação”, acrescenta o estudo. “Em vez de conviver com um Irã com potencial de produzir armas nucleares, a ação americana praticamente garantiria a emergência de um Irã armado de bombas atômicas ou exigiria novas ações militares”.

O sucesso dos bombardeios provocaria um longo conflito capaz de se expandir se outros países, além dos EUA e de Israel, não aceitarem um Irã nuclear ou se tentarem produzir a bomba para neutralizar uma possível ameaça iraniana.

Mais ainda: inflamaria o antiamericanismo no mundo muçulmano. Isto aprofundaria o radicalismo, beneficiando grupos terroristas como a rede Al Caeda e o recrutamento de homens-bomba. O ataque provocaria uma onda de terrorismo suicida, podendo provocar novas ações militares americanas ou israelenses, “estabelecendo um ciclo de violência extremamente perigoso”, analisa Rogers.

Apesar de todos estes riscos, o pesquisador considera elevada a possibilidade de um ataque porque não vê muitas chances de desarmar o conflito entre os EUA, Israel e o Irã: “É inaceitável para os EUA que um ‘país-pária’ como o Irã possa desenvolver sua capacidade nuclear. Isto limitaria grandemente as opções dos EUA na região e ameaçaria seu maior aliado – Israel”. Por sua vez, Israel “considera essencial para sua segurança ser o único pais do Oriente Médio com capacidade nuclear”. E o regime fundamentalista do Irã, cercado por países invadidos pelos EUA, o Iraque e o Afeganistão, deve ver na bomba a única garantia de sua segurança.

Nas suas conclusões, Rogers sustenta que a opção militar deve ser descartada, apesar das dificuldades com alternativas. Vale a pena ver suas previsões sobre a invasão do Iraque, feitas em novembro de 2002. Ele antecipou o “aumento da oposição regional à presença dos EUA” e do “apoio a organizações como Al Caeda, sendo contraprodutivo para a paz e a segurança no Oriente Médio”.

DOUTRINA BUSH EM QUEDA
A ameaça nuclear do Irã é concreta e perturbadora, ao contrário das supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein, citadas para justificar a invasão do Iraque mas jamais encontradas. O Irã tem um regime fundamentalista, apóia grupos terroristas como o Hesbolá e o Hamas, e deu asilo a membros d’al Caeda. Mas atinge o nível critico num momento em que a Doutrina Bush, de guerras preventivas, está em declínio por causa dos problemas da ocupação do Iraque e da ascensão dos fundamentalistas nas eleições encorajadas pelos EUA para democratizar o Oriente Médio como forma de combater o terrorismo.

Em 2002, a nova Doutrina de Segurança Nacional dos EUA afirmava que o país lançaria ataques preventivos contra países-párias e terroristas, sozinho se necessário. Esse pensamento estratégico, formulado pelos chamados neoconservadores como os na época subsecretário da Defesa, Paul Wolfowitz, o secretário adjunto Douglas Feith e o assessor do Pentágono para política de defesa, Richard Perle, orientou a invasão do Iraque, numa política externa ativista e ideológica.

Diante dos custos políticos, econômicos e militares da guerra, a política externa do segundo governo George Walker Bush volta para o âmbito do Departamento de Estado. A secretária de Estado, Condoleezza Rice, pediu US$ 85 milhões para promover a democracia no Irã. A diplomacia passa a ter mais peso do que o uso da força, embora este não possa ser descartado, sobretudo no caso iraniano.

É o retorno do “pragmatismo responsável”, como se definia a política externa americana sob o secretário de Estado Henry Kissinger, tão a gosto de setores mais isolacionistas do Partido Republicano, que entendem que os EUA não podem querer consertar os males do mundo, devendo se concentrar na defesa de seus interesses.

Para o pensador americano Francis Fukuyama, que lançou a tese do fim da História logo após o final da Guerra Fria, prevendo que a democracia liberal e a economia de mercado seriam os regimes político e econômico dominantes, “este esforço idealista de usar o poderio americano para promover a democracia e os direitos humanos pode sofrer sua maior derrota”. Com o avanço dos fundamentalistas, os republicanos mais pragmáticos já argumentam que Bush prejudicou os interesses americanos com sua política externa ativista, que alienou os tradicionais regimes autoritários aliados dos EUA no Oriente Médio.

Em artigo recente intitulado Depois do Neoconservadorismo, Fukuyama cita Walter Russel Mead para dizer que os conservadores que apóiam a guerra o fazem por acreditar que seus filhos estão lutando e morrendo no Oriente Médio para defender os EUA do terrorismo nuclear, não para promover a democracia. Não querem retirar o apoio ao presidente mas aumenta a porcentagem dos que entendem que os EUA “devem cuidar de si mesmos”, atingindo o maior índice desde o Vietnã, em outro sinal de que uma Síndrome do Iraque se abate sobre o invasor.

Fukuyama identifica nos neoconservadores uma crença de que “o poderio americano deve ser usado por razões morais” e “um ceticismo sobre a capacidade do direito e das instituições internacionais de resolver os problemas de segurança mais graves”. Por outro lado, cresce a convicção de que “programas de engenharia social ambiciosos freqüentemente levam a conseqüências inesperadas que minam seus objetivos”. É o risco associado a boas intenções levadas ao extremo.

Não é à toa que os neoconservadores são chamados de trotskistas de direita. Muitos foram trotskistas no início de sua vida. Foi o sucesso do presidente Ronald Reagan no final da Guerra Fria que empolgou os neocons. Depois de oito anos de governo do democrata Bill Clinton, eles voltaram com força total sob George Bush, filho, alegando que os EUA não haviam tirado todos os benefícios merecidos pela vitória sobre a União Soviética.

Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 abriram caminho para aplicação de sua agenda radical. Talvez embalados pelo avanço da democracia nas últimas três décadas, eles subestimaram os problemas que enfrentariam no pós-guerra no Iraque. Num livro recente sobre o Iraque, ‘O Portão dos Assassinos”, George Packer, afirma que o Pentágono esperar reduzir o total de soldados americanos no Iraque para 25 mil poucos meses depois da invasão.

DE VOLTA AO REALISMO
Em defesa deste maximalismo por meio do qual os EUA exerceriam uma “hegemonia benevolente”, Robert Kagan e William Kristol chegaram a afirmar que “é precisamente por que a política externa americana está embebida de um elevado e incomum grau de moralidade que outros países têm pouco a temer diante desta potência colossal”. Hoje estas palavras soam irônicas, diante da união do resto do mundo contra o unilateralismo de Bush.

A “hegemonia benevolente” é mais um mito alimentado pelo excepcionalismo americano, que vende a idéia de que os EUA são um país diferente e especial que luta pelo bem da humanidade. Isto justificaria as transgressões ao direito, tanto na invasão do Iraque quanto no uso de tortura, prisões ilegais, seqüestros e escuta telefônica de inocentes. Mas, comenta Fukuyama, a intervenção americana não foi nem benevolente nem competente, minando qualquer autoridade moral diante do resto do mundo.

Ao anunciar a morte do neoconservadorismo, Fukuyama afirma que os EUA precisam desmilitarizar a guerra contra o terrorismo, concentrando-se em operações policiais e de inteligência. A palavra guerra foi na sua opinião mal empregada. O combate ao terrorismo é mais uma luta por corações e mentes no mundo muçulmano. Como mostra a guerra das caricaturas do profeta Maomé, a Europa será um dos campos de batalha mais importantes.

Diante dos limites políticos, econômicos, diplomáticos e militares do intervencionismo americano, será preciso resgatar as instituições internacionais humilhadas quando Bush ignorou a recusa da ONU em autorizar a invasão do Iraque. Os EUA estão fazendo isto ao lidar com os dois outros integrantes do que Bush definiu em janeiro de 2002 como o eixo do mal: o Irã e a Coréia do Norte.

É a volta triunfante da diplomacia. O neoconservadorismo ficou associado à mudança de regime pela força, unilateralismo e hegemonia dos EUA. É o fim do “wilsonismo desbotado”, escreveu André Fontaine no jornal francês Le Monde, numa referência ao presidente Woodrow Wilson, que convenceu os americanos a saírem do isolamento e entrarem na Primeira Guerra Mundial com o argumento de que era “a guerra para acabar com todas as guerras e tornar o mundo seguro para a diplomacia”.

De volta ao realismo, o ex-subsecretário de Estado Thomas Pickering e o pesquisador John Newhouse, do World Security Institute, insistem em que a questão nuclear do Irã deve ser atacada num esforço conjunto das grandes potências, a começar pela China e a Rússia, que têm direito de veto no Conselho de Segurança.

Com seu consumo cada vez maior de energia importada, a China precisa de estabilidade no Oriente Médio. A Rússia, vizinha do Irã, não quer uma guerra americana no seu quintal. Já se ofereceu para enriquecer urânio para o programa nuclear iraniano para fins pacíficos. A Índia, aliada do Irã na época do domínio dos talebã sobre o Afeganistão, também pode ser acionada numa megaofensiva diplomática para moderar o regime dos aiatolás. A União Européia também tem interesse numa solução pacífica porque está no olho do furacão, como mostra a crise em torno das caricaturas de Maomé, e 5% dos seus 460 milhões de habitantes são muçulmanos.

A realidade é que os EUA não tem condições resolver unilateralmente nem a questão do Iraque nem a do Irã, admitem Pickering e Newhouse. Esta volta ao pragmatismo responsável é a maior esperança de que uma nova onda de bombardeios, desta vez contra um país governado por fundamentalistas, com 70 milhões de habitantes e uma longa tradição nacionalista antiocidental, não venha a inflamar ainda mais a já explosiva situação do Oriente Médio.