terça-feira, 7 de novembro de 2006

Megacidades sufocam a poética urbana

As megacidades ou megalópoles se tornaram ambientes hostis onde vagar sem destino pelas ruas parece entrar em conflito com a arquitetura, declarou hoje a escritora e socióloga franco-canadense Régine Robin, professora da Universidade do Quebec em Montreal. Ela falou na Casa de Rui Barbosa, no Rio, sobre o tema que abordará em seu próximo livro.

Em Minhas Travessias das megalópoles: sonhar a cidade, Régine faz literatura com olhar de cientista social enfocando Tóquio, a “cidade dos fluxos”; Xangai, “entre a memória e a mudança”; Beijim, "sem limites"; “o mal de Nova Iorque”; Los Angeles, a “mal-amada”; São Paulo, “charme e mal-estar” e “Vagar em Buenos Aires”.

O sonho de Régine Robin é vagar livremente, andar ao leo, caminhar sem compromisso, descobrir e ser surpreendida pelas cidades. Mas uma megalópole é uma cidade com mais de 15 milhões, lugares difíceis e às vezes hostis, onde a poesia se perde entre fumaça, asfalto e concreto: “Há uma tendência a tirar este elemento de sociabilidade” que é caminhar despreocupadamente pelas ruas.

Ao ler um trecho do capítulo sobre Nova Iorque, Régine revela suas paixões urbanas. Ela gosta da rua, da animação, das praças e até mesmo do cheiro das pessoas no rotrô, além dos cinemas, dos cafés e dos bistrôs. É a “cidade que nunca dorme” da música interpretada por Frank Sinatra.

Talvez Tóquio seja ainda mais brutal, com suas auto-estradas cruzando a cidade e passando entre apartamento e escritórios exíguos onde se vêem cenas banais da vida cotidiano durante um engarrafamento.

Nestas megacidades, vagar pelas ruas, andar despreocupadamente é, na visão de Régine Robin, “andar na contramão, parecer suspeito”. Ela tirou o conceito do sociólogo alemão Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, por sua vez inspirado no poeta francês Charles Baudelaire, autor de As Flores do Mal.

Las Vegas é, para Régine Robin, o “exemplo extremo” da desumanização das cidades modernas: “Os hotéis são como cidades. Como lá fora, faz 45 graus à sombra, tem tudo lá, lojas, restaurantes, até mesmo um pequeno bosque tropical. Para sair, é preciso andar um quilômetro – e não há rua. Eu e meu marido saímos pelo estacionamento. Veio um guarda e perguntou, espantado: ‘O que vocês estão fazendo aqui?’ Não há ruas. Há esplanadas – e ninguém pode vagar por esplanadas”.

Brasília é outro exemplo de cidade desumana, para Régine, mas sua arquitetura fria está sendo “subvertida pelos pobres na periferia”.

Em cidades como Paris, Londres e Buenos Aires, ainda é possível vagar, ressalva a escritora. Mas alguém já lhe disse que “os novos caminhantes sem destino estão nos shoppings”. São os lugares onde as pessoas se escondem da selva urbana para não fazer nada.

As megacidades também perderam a autenticidade, observa Régine Robin: “Los Angeles é uma justaposição de subúrbios. Tóquio é uma megacidade gigantesca. Foi destruída [por um dos piores terremotos da História] em 1923 e pelo bombardeio americano em 1945, e não tem o fetichismo do patrimônio histórico. Construiu tudo novo. Não tem centro. É uma justaposição caótica de estruturas urbanas”.

Outra constatação da socióloga é que “a cidade de hoje é diferente da cidade antiga. Não tem centro. Então um fenômeno atual é a museificação dos antigos centros históricos. Ao mesmo tempo, há uma disneylandização.

“Em Xangai, a cidade velha foi construída há pouco tempo para os turistas como se fosse antiga. Tem seu charme mas é bizarro.Há lojinhas, por exemplo de jóias em jade. Outra parte, realmente antiga, será destruída para a construção de prédios modernos. A diferença é que a parte antiga mesmo tem vida nas ruas, roupas nas janelas, gente cozinhando. Mas dará lugar a uma imagem idealizada do passado”, lamenta Régine.

Quanto à violência urbana, ela disse que é preciso conhecer os códigos urbanos: “Depois de morar anos em Nova Iorque, sabia onde ir e onde não ir. Em Buenos Aires, depois da crise, a violência e o medo cresceram. No Rio, não tem código. Todo lugar é perigoso.”

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