sexta-feira, 10 de novembro de 2006

“EUA serão talvez o último país soberanista”

Os Estados Unidos serão provavelmente o último país do mundo a abrir mão de sua soberania nacional, afirmou ontem o cientista social e diplomata Paulo Roberto de Almeida, do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, ao participar da mesa O papel dos Estados Unidos no atual cenário de segurança internacional.

Na sua opinião, “os EUA são um país aroniano e vestfaliano”. Ariano é relativo às idéias liberais do pensador político francês Raymond Aron. Os americanos discutem abertamente seus problemas de segurança e suas debilidades. Vestfaliano refere-se à Paz de Vestfália, que pós fim às guerras religiosas na Europa depois da Guerra dos 30 Anos (1618-48), introduzindo os conceitos de soberania nacional e não-interferência nos assuntos internos de outros países.

“A China pode ser vestfaliana mas não é aroniana”, ponderou o prof. Paulo Roberto.

“Os EUA não são um império extrator de recursos via coerção. Talvez sejam um novo tipo de império. Querem a hegemonia do livre comércio. É um sistema destruidor de hegemonias. Vence pela força de suas idéias”, declarou.

Nos últimos dois séculos, os EUA teriam exercido um papel positivo nas relações internacionais, com base em valores iluministas e racionalistas, liberdade, democracia e direitos humanos.

É um país “vestfaliano mas universalista, pela soberania popular. “A liberdade não necessita de regulamentação. Seus objetivos são a convivência pacífica e a concorrência comercial”.

Como país soberanista, os EUA são contra qualquer projeto de integração regional. Só fazem acordos de livre comércio e só começaram a fazer isso em 1988, com o Canadá, apenas institucionalizando uma relação comercial que já era de fato muito expressiva e que levaria, incluindo o México, em 1993, à criação do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte).

Os EUA são também, observa Paulo Roberto Almeida, “um país schumpeteriano”, referência ao economista austríaco Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), que criou a idéia de “destruição criativa”. A mola-mestra do capitalismo é a inovação. Novos produtos têm de substituir os velhos com vantagens que justifiquem sua compra e aí se destroem fábricas, empregos e vidas.

Diante do fracasso no Iraque, os EUA estão entendendo que os valores democráticos não são exportáveis. “Gostariam de ser o farol da liberdade. Ficam num pêndulo entre isolacionismo e envolvimento”.

Paulo Roberto argumenta que “os EUA não se ocupam da segurança mundial mas de si, de seus cidadãos e de suas empresas. É o dilema entre o internacionalismo wilsoniano e o isolacionismo jacksoniano”.

Por isto, “os EUA não aceitam submeter suas tropas ao comando das Nações Unidas. São contra a criação de um comitê de Estado-Maior para assessorar o Conselho de Segurança da ONU. Não querem alianças permanentes. Tem a Otan. Mas a Otan é um braço armado dos EUA. Quando precisam, como na Bósnia e no Kossovo, os europeus chamam os EUA”.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “apenas cumpriu uma missão defensiva. A URSS tinha superioridade militar em alguns aspectos. Perdeu a competição em meias de nylon. Depois da Guerra Fria, a Otan virou um canivete suíço, com mandato para intervir em qualquer lugar do mundo”.

Mas a Otan não está preparada para enfrentar ameaças difusas como o jihadismo, analisou o cientista social. “O inimigo vive dentro do próprio território. A crise do islamismo foi trazida para o Ocidente. É um momento mais para A Arte da Guerra, de Sun Tzu, do que para Da Guerra, de Clausewitz”, comentou, referindo aos clássicos de estratégia.

Um objetivo declarado da doutrina de segurança nacional dos EUA é “conservar a supremacia sobre qualquer outro poder, estar sempre à frente. Durante a Guerra Fria, tanto a Europa quanto a União Soviética tinham de ser mantidas em inferioridade. Os EUA fazem uma espécie de seguro militar preventivo”.

Há uma consciência de que “a segurança nacional não é exclusivamente militar: envolve cientistas e empresários. Seu modo inventivo de produção atrai cérebros de todas as partes do mundo. E os EUA não querem colocar seus conhecimentos a serviço do resto do mundo.”

O papel de polícia do mundo, de “porrete de última instância” tem, para Paulo Roberto Almeida, “relação com a essência de ser americano: o xerife é a autoridade máxima na cidadezinha”.

Auto-suficientes na sua auto-imagem, “os EUA não precisam de parceiros e aliados, só para pagar a conta. Por isso, nos anos 80, patrocinaram as candidaturas da Alemanha e do Japão a membros permanentes do Conselho de Segurança. Agora, preferem o Japão e a Índia.

“A proliferação nuclear é a única área onde os EUA dependem da cooperação internacional”, ressalvou Paulo Roberto.

Já há uma nova geografia econômica, que “incorpora os emergentes dinâmicos, Rússia, Índia e China. Há uma interdependência contínua entre os EUA e os asiáticos. A América Latina se exclui ao não fazer acordos, apresenta problemas micro e macro, não negocia acordos de garantia de investimentos. Exclui-se ao não educar sua população”.

Uma questão sempre citada, a migração, é para o professor um falso problema: benefia a ambos. “Os EUA vão gastar US$ 6 bilhões para construir um muro que não vai adiantar nada”. Será mais um monumento à estupidez humana.

No plano militar, entende Paulo Roberto Almeida, “o Brasil é marginal. Pode ser relevante na nova matriz energética. Não estamos prontos para a 4ª revolução industrial, da nano e biotecnologia. Mas participamos de missões de paz da ONU. O Brasil é um país soberanista e quer fazer parte dos mais iguais. Nada muda com o Brasil dentro ou fora do Conselho de Segurança da ONU, nem para o Brasil nem para o resto do mundo”.

“O Brasil não tem ameaças no seu entorno, embora alguns insistam em criar uma custosa corrida armamentista”, disse o professor, numa referência indireta ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. “Não há conflitos sérios mas há narcoguerrilheiros, criminosos e os neobolcheviques da terra.”

Ele não vê “nenhuma ameaça na Amazônia, embora a direita e a esquerda manipulem a situação”.

“Se o Brasil não é relevante internacionalmente, é importante no Atlântico Sul. Mas é um país introvertido”, critica o cientista social. “O establishment diplomático e militar reluta em cooperar com os EUA. É uma visão de que o Brasil tem um antagonismo com as grandes potências e que precisa fazer alianças periféricas. Por fatores políticos e ideológicos, o Brasil se move muito lentamente. Falta consenso. É a paralisia de uma sociedade sem uma agenda de reformas.”

Um comentário:

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Nelson Jobim,
Apenas hoje (20.04.2008), mais de ano e meio após, Googlelizando um pouco em torno dos meus trabalhos na Internet (que sempre estão sendo reproduzidos aqui e ali sem que eu sequer saiba), tomei conhecimento que voce fez este excelente resumo de minha palestra na EGN no Rio, em novembro de 2006, no quadro do VI ENEE. Grato pela distinção.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeidda