sábado, 11 de novembro de 2006

EUA devem desengajar suas forças no Iraque

A principal conseqüência da derrota do Partido Republicano para a Guerra do Iraque será o desengajamento das forças dos Estados Unidos, previu o professor Edward Luttwak, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), de Washington. Ao falar no 6º Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, realizado na Escola de Guerra Naval, no Rio, ele explicou que não haverá uma retirada americana mas apenas o recuo para uma posição segura no meio do deserto distante das cidades e das zonas de conflito.

Uma retirada dos EUA neste momento só agravaria a situação do Iraque os ricos do terrorismo internacional. Os soldados americanos ficariam de prontidão para intervir em caso de agravamento da guerra civil iraquiana ou de intervenção de países vizinhos.

"Não haverá uma retirada unilateral, nem fuga", garante Luttwak. "Marrocos, Argélia, Egito, Arábia Saudita e Jordânia querem que os EUA fiquem no Iraque para evitar que o Irã tome conta. Mas se opõem ao projeto democrático porque não são democracias."

"Os eleitores votaram nos democratas porque não querem um compromisso sem fim com o Iraque. O senador Joe Lieberman, que perdeu a candidatura do partido por apoiar a guerra e concorreu como independente, foi reeleito. A Câmara, como aprova o orçamento, pode cortar o dinheiro para a guerra. Mas não fará isso. Não tem a menor chance".

Já está em jogo a eleição presidencial de 2008. Os democratas serão acusados de ser fracos em defesa se minarem o esforço de guerra no Iraque. Se ganharem a Casa Branca, receberão esta herança maldita de Bush. Mas no momento, não há muita saída. O jogo de poder em Washington pode paralisar os EUA politicamente neste final de governo Bush.

“No Iraque”, previu o professor, “vamos começar o desengajamento, abandonando as ações de patrulhamento e recuando para o deserto para proteger as fronteiras, evitar intervenções da Síria e do Irã e apoiar o governo, mas sem patrulhar. Pode haver tropas no Iraque daqui a cinco anos mas não fazendo patrulhamento. Haverá mais guerra civil até que o desgaste leve à paz”.

Com a demissão do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, “o presidente George W. Bush tem uma oportunidade de mudar a política”, disse Luttwak. Ele não gostou da indicação de Robert Gates, diretor da CIA (Agência Central de Inteligência), o serviço de espionagem dos EUA: “Gates foi a última pessoa em Washington a se convencer de que a perestroika era para valer. Durante anos, insistiu em que não passava de uma manobra da União Soviética para desarmar os EUA”.

Gates é considerado moderado, na linha de George Bush, pai, que não marchou sobre Bagdá e não derrubou Saddam Hussein em 1991 porque não tinha mandato das Nações Unidas para isso e destruiria a aliança de 28 países que libertou o Kuwait, invadido em 2 de agosto de 1990 por tropas iraquianas.

Sua nomeação pode indicar que a política externa americana será menos ideológica e mais pragmática. Gates faz parte do grupo bipartidário co-presidido pelo ex-secretário de Estado James Baker e o ex-deputado democrata Lee Hamilton para encontrar alternativas para os EUA no Iraque.

Luttwak garante que ele e quase todo o establishment de Washington eram contra a guerra porque não acreditavam na possibilidade de democratizar o Iraque: “Qualquer pessoa que tenha passado um fim de semana no Oriente Médio sabe disso”, ironizou. “Cheguei a ser chamado de preconceito e racista ao dizer isso. Alegavam que o Iraque é um país moderno e secularista que estaria pronto para a democracia.”

Rumsfeld tinha consciência das dificuldades enfrentadas pelos EUA no Iraque, opina o pesquisador do CSIS: “Reconhecia que ‘estamos matando jihadistas e criando novos jihadistas’. Parecia um professor sueco falando. Foi um secretário da Defesa incomum. Tinha ocupado o cargo em 1975, durante o governo Gerald Ford (1974-77). Depois, continuou freqüentando as escolas de guerra. Foi o primeiro secretário da Defesa que conhecia cada setor do Pentágono e todo o tipo de armamento”.

REFORMA ABORTADA
Desde a campanha de George Walker Bush, em 2000, Rumsfeld dedicou-se à transformação das Forças Armadas dos EUA, congelada numa era de guerras entre países que são cada vez menos prováveis. Faz parte do Movimento pela Reforma Militar.

“Sem a URSS e com a China em busca do desenvolvimento econômico, não há mais a ameaça das grandes potências”, constatou Luttwak. “O Brasil não sofre ameaças. Desde a Primeira Guerra Mundial, os EUA viviam no mundo das grandes potências.”

Como secretário da Defesa, acrescentou o pesquisador e ex-militar, Rumsfeld comprou brigas com o Exército, ao afirmou que tanques e peças de artilharia estão superados; com a Força Aérea, que mandou investir em aviões não-tripulados; e contra a Marinha, que ainda acredita em porta-aviões e outros navios para combate em mar aberto, cada vez mais improvável.

Mas antes da reforma decolar vieram os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Sob o impacto da nação choca “era muito difícil que Bush perdesse a reeleição”.

Além disso, “a economia americana vai muito bem. O desemprego está em 4,4%, o que significa que praticamente não há desemprego, então as camadas pobres devem estar mais satisfeitas. E a Bolsa de Valores está no seu recorde histórico. Quando um partido governista vai para uma eleição nestas condições, é muito difícil de perder. O que aconteceu então agora? A resposta é o Iraque”.

Diante dos atentados, os estrategistas americanos discutiram como reagir e a decisão foi invadir o Afeganistão, onde estavam as bases da rede terrorista Al Caeda, que Clinton bombardeara em 1998, depois dos atentados contra as embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia.

O que fazer?, pergunta e responde Luttwak:

1. “Forçar o Paquistão a para de apoiar o regime dos talebã. Foi um momento imperial. O secretário de Estado adjunto Richard Armitage, branco, alto e forte, foi mandado para submeter o ditador paquistanês, Pervez Musharraf: pare de apoiar os talebã, senão atacamos vocês também.”

2. “O encontro de Rumsfeld com o Estado-Maior foi ruim. Eles queriam lutar à maneira americana: construir bases no Paquistão, criar uma estrutura para o apoio logístico e invadir em seis ou sete meses. Era inverno, o mês sagrado do Ramada para os muçulmanos e não havia bases. Rumsfeld disse: vamos já. Desta vez, vamos no estilo britânico ou israelense: bombardeios aéreos e parte terrestre com a Aliança do Norte”, que reunia as oposições ao regime fundamentalista dos talebã.

Como os talebã eram apenas uma milícia que nunca criou a estrutura de um Estado no Afeganistão, “a operação foi um sucesso. Em menos de um mês, os talebã entraram em colapso. Os EUA queriam bater forte em alguém mas os talebã fugiram.

3. “As pessoas que ficaram contra os militares ganharam. Quando veio a Guerra do Iraque, desafiaram os militares mais uma vez. Os generais advertiram que era fácil entrar no Iraque mas difícil ocupar um país tão grande, do tamanho da Califórnia. Pediram 500 mil homens. Temos 1 milhão de homens em uniforme. Com os outros compromissos que temos pelo mundo, no Japão, na Coréia, e na defesa do território americano, precisaríamos de mais 1 milhão.

FALTARAM SOLDADOS
“Todo o mundo que olhou para o mapa e estudou a composição étnica do Iraque sabia que, para democratizar o Iraque, seriam necessários 500 mil homens por um período de 10 anos”, assegurou Luttwak.

O então secretário de Estado, general Colin Powell, que era contra a guerra, advertiu Bush: “Se você invade o Iraque, fica dono do país e dos anseios de 25 milhões de pessoas”.

Numa comparação, o pesquisador nota que o total de soldados da força que invadiu o Iraque era duas vezes maior do que a Polícia de Nova Iorque, “encarregada de policiar uma população que é a metade da do Iraque, não está em guerra, não tem metralhadoras”, observou Luttwak.

“Com 100 tanques, os americanos avançaram do Kuwait até Tikrit, a terra natal de Saddam Hussein”, contou o professor. “Você chega lá mas não tem tropas. Em Mossul, havia uma brigada americana para controlar uma população de 2 milhões de habitantes”.

Esta falta de soldados é, para Luttwak, a causa do fracasso da ocupação americana a longo prazo: “Se você não controla um país, não tem como reconstruí-lo.”

Diante de uma platéia de militares, professores e estudantes de questões de defesa e de relações internacionais, ele afirmou que a invasão não teve nada a ver com petróleo, “uma tese que a esquerda espalhou pelo mundo mas em que ninguém acredita em Washington. O verdadeiro motivo foi o projeto neoconservador de construir uma democracia no Iraque, um país tribal com divisões religiosas”.

Mais uma vez, os EUA debatem intervencionismo e não-intervencionismo: “Clinton queria ficar em casa. Mas o presidente francês, Jacques Chirac, e o primeiro-ministro britânico, John Major, pediram a intervenção americana na antiga Iugoslávia. Foi o começo de um ativismo em política externa que terminou na tentativa de negociar um acordo definitivo entre palestinos e israelenses em Camp David, em 2000”.

“Bush não queria fazer nada”, comenta Luttwak. Num debate com o vice-presidente Al Gore na campanha para a eleição de 2000, declarou que não “construiria nações”. Aí vieram os atentados de 11 de setembro e as guerras no Afeganistão e no Iraque.

Agora, haverá um refluxo, prevê: “Veremos um contínuo desengajamento. A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ficará lá alguns anos e cairá fora. O Afeganistão é um país que parece estar no século 14. Não se pode forçar uma modernização”.

No Iraque, “os americanos devem recuar para magníficas bases construídas por Saddam longe de tudo e de todos”. O país mergulharia numa guerra civil até que o desgaste levasse à paz, entende Luttwak. “Os curdos estão seguros no Norte, assim como os xiitas no Sul. O maior problema está com os sunitas, que vivem ao redor de Bagdá. Haverá uma guerra civil no Iraque”.

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