sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Ernesto Neto ocupa o Panthéon em Paris


Foto de Rebecca Lockwood 
PARIS - Ernesto Neto está no alto do Panthéon.

Com ares de anjo barroco, do alto de uma série de escadas montadas sobre uma estrutura metálica, Ernesto Sabóia de Albuquerque Neto, um dos artistas plásticos brasileiros de maior sucesso no exterior, orienta alpinistas e outros trabalhadores que o ajudam a montar sua mais recente obra: "Isto aqui está errado. Tem de passar pelo outro lado", dizia ele, três dias antes do vernissage, nesta sexta-feira.

Léviathan Thot é uma instalação monumental que ocupa a necrópole republicana da França, a “homenagem da pátria agradecida a seus heróis”. A exposição será inagurada hoje, dentro do Festival de Outono de Paris, e vai até 31 de dezembro.

É uma obra ciclópica feita em tecido, areia e bolinhas de isopor, com grandes sacos que pendem da cúpula do Panthéon. Parece um grande etcoplasma, uma forma primitiva de vida como as dos filmes de ficção científica que se expande entre aquelas paredes frias. Ali estão, entre outros, os restos mortais de Jean-Paul Marat, um dos líderes que a Revolução Francesa engoliu, dos filósofos Jean-Baptiste Voltaire e Jean-Jacques Rousseau, que inspiraram a revolução, do escritor Victor Hugo, e dos químicos Pierre e Marie Curie, que descobriram a radioatividade e também foram mortos por ela.

No meio, o Pêndulo Foucault nos lembra que a Terra gira e da importância da ciência na era da modernidade, cujo marco inicial foi a Revolução Francesa de 1789.

Leviatã vem do hebraico para "animal que se enrosca". Na mitologia fenícia, é o nome de um monstro do caos e assim é tratado na Bíblia. Para o filósofo político inglês do século 17 Thomas Hobbes, um dos principais ideólogos do realismo e do conservadorismo político, autor de uma obra clássica com este nome, é o Estado todo-poderoso, na sua opinião necessário para conter a agressividade humana.

Sem um leviatã, dizia Hobbes, que escreveu sob o impacto da Guerra Civil Inglesa (1630-1688), o mundo degeneraria numa guerra de todos contra todos onde "a vida seria detestável, brutal e curta".

Para amenizar o peso do Estado-leviatã criado pela Revolução Francesa, que introduziu o conceito de terrorismo político, Neto acrescentou Thot, o deus egípcio da sabedoria, da escrita, do tempo e da magia, representado por um homem com a cabeça do pássaro Íbis. O Tarô é o livro de Thot. Para o artista, Thot dá uma sonoridade ao nome de sua obra.

De uma certa forma, Neto humanizou e pós-modernizou o Pantheón, uma estrutura neoclássica pesada, trazendo-o para o século 21. Sua obra é orgânica. Dá vontade de entrar dentro, de se aconchegar e relaxar, exatamente o contrário do que sugere a dureza do Panthéon como um grande mausoléu coletivo.

"Arrebentou", comentou Tunga, outro artista plástico brasileiro de enorme prestígio internacional, na entrada do Panthéon. "Conseguiu fazer um constraste entre a dureza da arquitetura e a leveza da peça."

Sem dúvida, é um desafio, um gesto de enorme coragem e ousadia criar uma instalação neste grande prédio monumental com uma carga histórica tão pesada, como o próprio artista reconheceu em entrevista ao jornal francês Le Monde: “É de um gigantismo, de uma brutalidade, com todas estas pinturas e toda esta História”.

Quando descobriu o Panthéon, Neto lamentou não ter feito sua instalação na Igreja Salpêtrière, onde estava previsto inicialmente. Mas houve um problema com os padres. “Adoro aquela capela. Ela é linda e feminina, e evoca o nascimento da psiquiatria”, disse Neto ao Monde.

Depois de estudar a História do Panthéon, entendeu que de certa forma ele nos ensina como o mundo chegou ao que é hoje, “um monumento à mudança política, à transição da monarquia para a república”.

Sua obra se imiscui, por exemplo, com uma estátua em homenagem à Convenção, à segunda fase da Revolução Francesa (1792-95), o período do terror e da guilhotina, do terrorismo do Estado querendo purgar os males da sociedade. Aos pés de Marianne, a mulher que simboliza a revolução, os nobres com suas perucas brancas pedem clemência à direita, enquanto os revolucionários avançam à esquerda. A inscrição diz: “Viver livre ou morrer”.

Na opinião de Neto, o mundo vive hoje um momento igualmente violento, a era da globalização, em que os representantes eleitos pelo povo, uma conquista das revoluções francesa e americana, são impotentes diante do capital que se move na velocidade da luz. Ele espera que sua obra provoque uma reflexão sobre “que mundo queremos para o futuro”.

Os fantasmas do Panthéon devem estar adorando.

Um comentário:

CFagundes disse...

Será que os residentes não vão ficar com ciúmes, com os turistas olhando pra cima?
Dumas, o último transferido ao pedaço, que tinha medo do mar, talvez fique meio desconfortável com um leviatã pairando sobre seus restos...
Nelson, como anda a disputa por aí, Sarkozy tá forte? Que tal essa Segolène?