quarta-feira, 27 de setembro de 2006

"A corrupção é difícil de provar"

A corrupção é uma praga do subdesenvolvimento mas afeta também os países ricos. É de lá a maioria das empresas transnacionais que corrompem governantes sem escrúpulos nem qualificação. Dois pontos fundamentais são punir não apenas os agentes públicos mas também os agentes privados envolvidos na corrupção e recuperar o dinheiro roubado, comentou o embaixador francês Jean-Pierre Vidon, responsável no seu país pelo combate ao crime organizado, em palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro, em 22 de setembro.

Vidon destacou a necessidade de maior transparência no financiamento dos partidos políticos, principal fonte da corrupção, de um rigoroso código de ética para o setor público, cujos funcionários e agentes “devem ser bem remunerados”. Mas não quis comentar a série de escândalos no Brasil: “Minha percepção do Brasil é o que vejo na imprensa. A corrupção é difícil de provar”.

Para o embaixador, o instrumento mais efetivo contra a corrupção internacional é a Convenção sobre o Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações e Negócios Internacionais, aprovada em 1997 pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um clube de países desenvolvidos. Os 30 países-membros ratificaram a chamada Convenção da OCDE, além de outros seis países, inclusive o Brasil e a Argentina, já que a convenção está aberta para adesão de outros países.

“A legislação reflete uma mudança de atitude”, observa Vidon, que participou da Conferência da Interpol no Rio. “Antigamente, a lei francesa penalizava apenas a corrupção ativa e passiva de autoridades, funcionários públicos ou políticos com mandato eletivo.” Nas transações internacionais, “a França e a maioria dos países europeus tolerava a prática de suborno, oficialmente descrito como comissões ou ‘despesas excepcionais de vendas’; quando pago a um funcionário público estrangeiro, era dedutível do imposto de renda”.

Agora, qualquer pessoa que tente corromper ou obter vantagens em transações internacionais pode ser condenada a até 10 anos de prisão e multa de 150 mil euros. Além disso, as empresas podem ser responsabilizadas e punidas criminalmente.

Por causa desta convenção, o Ministério da Justiça da França criou um Departamento Central de Prevenção da Corrupção e introduziu códigos de conduta.

Há críticas, admite o embaixador Vidon. Por exemplo, é impossível apresentar uma ação de iniciativa dos cidadãos. Isto deixa a decisão de oferecer denúncia ou não somente nas mãos da Procuradoria.

O avanço na punição às empresas é modesto. “Há uma discrepância entre a obrigação dos funcionários públicos e auditores de denunciar os casos de corrupção e o pequeno número de casos revelados”, reconhece.

De acordo com o parágrafo 2 do artigo 40 do Código de Processo Penal da França, “qualquer autoridade constituída ou funcionário público que, no desempenho de suas funções, tiver conhecimento de um crime ou ofensa, é obrigado a notificar a Promotoria Pública imediatamente, transmitindo-lhe todas as informações, minutas e procedimentos relativos ao caso”.

FALTA PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS
Da mesma forma, raramente se vêem trabalhadores de empresas privadas denunciando atos de corrupção. Falta a figura da delação premiada para isentar de processo quem apresentar provas e proteção legal suficiente para testemunhas de acusação.

Outra legislação foi introduzida pelo Conselho da Europa, que reúne todos os partidos democráticos do continente, sendo portanto maior do que a União Européia. A França aderiu à Convenção sobre Direito Penal e à Convenção sobre Direito Civil, ratificadas pelo parlamento no ano passado.

“A principal característica da Convenção sobre Direito Penal é sua amplitude”, explicou o embaixador francês. “Ela cobre os vários aspectos que a corrupção pode assumir, passiva ou ativa, nos setores público e privado. Também exige que os países signatários a penalizar o tráfico de influência, a lavagem de dinheiro e os crimes contábeis”.

As convenções discutidas até aqui são européias. A primeira tentativa de criar uma lei universal, feita pelas Nações Unidas, levou à assinatura da Convenção contra o Crime Organizado Transacional em Palermo, na Itália, em dezembro de 2000.

O debate foi quente, com os países ricos alegando que a corrupção é uma das causas do subdesenvolvimento, e os pobres que o dinheiro sai das empresas dos países ricos e geralmente volta para seus bancos.

A Convenção contra o Crime Organizado Transnacional criminalizou a corrupção ativa e passiva mas a ONU começou a discutir uma convenção específica para a corrupção, aprovada pela Assembléia Geral em outubro de 2003 e já ratificada pelo Brasil.

Esta nova convenção, a Convenção de Mérida, prevê, pela primeira vez no Direito Internacional, a recuperação dos ativos e a adoção de mecanismos de prevenção para fortalecer os Estados democráticos e criar uma cultura anticorrupção.

A transparência do financiamento dos partidos políticos é considerada essencial.

Há “uma lista de atos ilícitos de criminalização obrigatória, a corrupção passiva e ativa de funcionários públicos nacionais, estrangeiros ou internacionais para obter contratos ou vantagens indevidas em atividades associadas ao comércio internacional, malversação de dinheiro público, lavagem de dinheiro do crime organizado, obstrução de justiça, tráfico de influência, corrupção e roubo de propriedade no setor privado, enriquecimento ilícito, abuso de função ou lucrar com abuso de função”, enumera Jean-Pierre Vidon.

O embaixador citou ainda o Compacto Global, uma iniciativa das Nações Unidas para convocar as empresas a contribuir, ao lado da ONU, dos governos e da sociedade civil para uma globalização não-excludente. Um de seus 10 princípios é: “As empresas devem trabalhar contra a corrupção em todas as formas, inclusive extorsão e suborno”.

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