sábado, 26 de agosto de 2006

Fatia do Brasil no comércio mundial não cresce

Apesar do crescimento das exportações, que dobraram nos últimos anos, a participação do Brasil no comércio internacional não aumentou, não passando de 1%, em parte por causa de erros na política comercial, afirmou o professor Marcos Jank, presidente do o Instituto de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone) na terça-feira, 22 de agosto, no 3º Curso de Comércio e Negociações Internacionais para Jornalistas promovido no Rio de de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e o Ícone.

“O comércio internacional é uma história de sucesso”, iniciou Jank ao falar do sistema multilateral de comércio. São mais de US$ 9 trilhões por ano. A China tem hoje um volume de comércio de US$ 1 trilhão; o Brasil, apenas US$ 180 bilhões.

Uma constatação importante, continuou o presidente do Ícone, é que “ninguém exporta muito sem importar muito. Entre os 20 maiores países em comércio internacional, há vários emergentes: China, Hong Kong, Coréia do Sul, México, Taiwan, Cingapura, Malásia, Tailândia e Índia. Se o Brasil está parado, a Ásia avança”.

O grande desequilíbrio está hoje no déficit comercial dos EUA, de cerca de US$ 800 bilhões. “O Congresso americano é mais protecionista mas a economia é aberta, protegida seletivamente. Os EUA são grandes exportadores de commodities e cada vez mais importadores de produtos industriais da Ásia”, observou o professor.

A China reinveste parte do superávit em comércio e conta corrente em títulos americanos, equilibrando a economia mundial. Os chineses financiam o consumo americano de produtos fabricados na China. A China segue o modelo exportador japonês, baseado numa moeda subvalorizada.

De 2003 a 2005, as exportações brasileiras dobraram proporcionando um saldo comercial de cerca de US$ 40 bilhões. “Mas a presença brasileira não passa de 1%”, ressalva Jank. “Não estamos aumentando nossa participação no mercado. A visão era substituir importações, um certo isolamento.

“Nenhuma grande nação cresce hoje com um modelo autárquico. O Brasil, a China, a Coréia do Sul e o México estavam mais ou menos no mesmo nível. Houve um descolamento a partir dos anos 90.”

No momento, as exportações brasileiras enfrentam três problemas:
- política cambial volátil;
- custo de capital elevado;
- e infra-estrutura deficiente.

A pauta de exportações brasileira é hoje diversificada:
- agronegócio: 31%;
- combustíveis: 6%;
- minerais: 10%.

O Brasil é um global trader (negocia com todas as regiões do mundo):
- UE: 22%
- EUA: 20%;
- América Latina: 23%.

Nos últimos anos, cresceu o saldo com a América Latina e os EUA. O que puxa são manufaturados. “O Brasil é um vendedor global de commodities e um vendedor regional de produtos de maior valor agregado”, nota o professor Jank. “Daí a importância da ALCA, região de maior crescimento das exportações brasileiras.

“Na América Latina, somos importador de commodities”, . Com a UE, houve pouquíssima alteração nos últimos 10 anos: exportamos commodities, importamos manufaturados. Para a Ásia, exportamos commodities e importamos produtos de valor agregado. Os empresários brasileiros já se queixam da concorrência desleal, com moeda subvalorizada lá, enquanto aqui enfrentam um custo de capital elevado e câmbio valorizado.

A China é uma oportunidade para commodities mas uma forte concorrente para a nossa indústria.

Política Comercial
É um conjunto de instrumentos definidos pelo governo para promover exportações. São discriminações que podem ser usadas como forma de proteção. Todos os países fazem isso: cotas, tarifas, salvaguardas, barreiras não-tarifárias...

O país é liberal no que lhe interessa e protecionista nos setores não-competitivos. Então existe o princípio da reciprocidade, ceder aqui para ganhar ali.

A política comercial é uma das quatro políticas macroeconômicas:
- cambial: moeda;
- monetária: juros;
- fiscal: arrecadação e gastos públicos;
- comercial: discriminação.

A política comercial muda mais devagar. As negociações internacionais são lentas.

Como se enquadra na política externa? Alguns países separam claramente política externa e política comercial. Nos EUA, o comércio exterior está a cargo do Representante Comercial dos EUA (USTR), mais ligado ao Congresso e às grandes empresas.

“Hoje no Brasil há uma forte vinculação política, como se vê, por exemplo, no acordo com a Venezuela”, opina Jank. “Quem comanda a política comercial ainda é o Itamaraty. É bom pela qualidade e estabilidade do Itamaraty. É ruim porque às vezes o foco é diferente.”

Uma novidade é que hoje “o Brasil tem pouco menos de 20 empresas grandes que estão investindo lá fora. A crise da Bolívia é um marco. Sempre tivemos uma posição defensiva em relação a acordos de proteção de investimentos. Há 2,2 mil acordos de proteção de investimentos no mundo. O Brasil não assinou nenhum.”

No Brasil e na Argentina, a política comercial está a cargo do Ministério das Relações Exteriores; no Chile, é o Ministério da Fazenda; em outros países, no Ministério da Indústria e do Comércio.

Mecanismos de Distorção do Comércio
Por que os países protegem?
- proteção de empregos nacionais;
- indústria nascente (Hamilton, List);
- substituição de importações;
- “governo nascente”;
- “práticas desleais de comércio”;
- razões políticas e sociais: segurança alimentar, segurança nacional;
- outros motivos: proteção do padrão de vida doméstico, equalização de custos de produção, equilíbrio do balanço de pagamentos.

“Já há quem veja a Alca como uma oportunidade e a China como uma ameaça.”

Livre Comércio x Protecionismo
O livre comércio traz benefícios de longo prazo de forma ampla e difusa. A proteção tem custos concentrados em setores específicos, protegendo produtores e trabalhadores.

Há também as aberturas unilaterais, que os países adotam para aumentar sua competitividade.

“Às vezes, um produto tem um lobby tão forte que o país negocia em torno de um produto. As negociações comerciais são bastante mercantilistas”, reconhece o professor Marcos Jank.

Nações Comerciais
A História registra a existência de grandes nações comerciais:
1. Fenícios, gregos e romanos.
2. Cidades-Estado italianas.
3. Portugal, Espanha.
4. Holanda.
5. Grã-Bretanha (abertura unilateral no século 19).
6. EUA e UE.
7. Japão e novas economias industriais.
8. México e Chile.
9. China e Sudeste Asiático.
10. ? Índia?

A política comercial surge no século 19, primeiro no Zollverein (1834), a união aduaneira entre a Baviera e a Prússia, precursora da unificação da Alemanha (1871).

Na década de 1840, houve uma forte redução unilateral de tarifas na Grã-Bretanha, com a abolição das Corn Laws (1845), que protegiam a agricultura britânica das importações de grãos mais baratos da França, e as Navigation Laws. Era a influência de economistas clássicos como Adam Smith, que criou o conceito de vantagem absoluta, e David Ricardo, que criou o conceito da vantagem comparativa.

Na década de 1860, contou o professor Jank, o Tratado Cobden-Chevalier cria a cláusula de nação mais favorecida, a liberalização com reciprocidade com a extensão dos benefícios a todos os demais países, que é uma das bases do sistema multilateral de comércio.

As pressões protecionistas vinham dos EUA e da Alemanha, onde Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro americano, e Friedrich List defendiam a idéia de “indústria nascente”, que precisaria de proteção temporária para se desenvolver, outro conceito incorporado ao sistema multilateral de comércio para proteger países em desenvolvimento.

No século 20, houve uma verdadeira guerra protecionista no período entre-guerras e foi uma das causas da Segunda Guerra Mundial.

O Reino Unido, já um império decadente depois do desgaste da Primeira Guerra Mundial, criou um sistema de “preferências imperiais”, na Conferência Imperial de Ottawa (1932), criando um sistema de preferências para suas colônias e ex-colônias reunidas na Comunidade Britânica. A Argentina perdeu muito.

Depois do crack da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, os EUA introduzem em 1930 a Lei Smoot-Hawley, com pico tarifário de 53%. A guerra comercial aprofundou a Grande Depressão (1929-1939), principal causa econômica da guerra.

Em 1934, por iniciativa do secretário de Estado Cordel Hull, os EUA aprovaram o Reciprocal Trade Agreements Act, oferecendo tarifas mais baixas para quem abrisse seu mercado.

No pós-guerra, uma das condições do Plano Marshall era a abertura comercial.

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