quarta-feira, 16 de agosto de 2006

EUA precisam pressionar Índia na OMC

A melhor saída para destravar as negociações de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC) seria uma pressão americana para que a Índia concorde em reduzir seu protecionismo agrícola, afirmou nesta terça-feira, 15 de agosto, André Nassar, gerente geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone), ao falar sobre as perspectivas da Rodada Doha para agricultura, na segunda aula do 3º Curso sobre Comércio e Negociações Internacionais para Jornalistas, promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e pelo Ícone.

Os Estados Unidos podem pressionar a Índia a abrir seu mercado agrícola em troca de concessões que interessam ao novo gigante asiático, como a cooperação nuclear ou mesmo serviços como centrais de atendimento telefônico, raciocina Nassar. Ele entende que o maior problema do Brasil na sua luta para abrir os mercados agrícolas está nos grandes países em desenvolvimento com setores agrícolas ineficientes, como China, Índia, Indonésia e Filipinas. “Os asiáticos são o grupo mais protecionista”, diz o pesquisador.

“Nossa posição é pressionar a Índia”, defende Nassar. “Não precisa de tudo o que está pedindo. Não precisa de 20% de produtos especiais. Importa apenas US$ 5 bilhões em produtos agrícolas. Mas o Itamaraty teme um racha no Grupo dos 20. A Índia já criou o Grupo dos 33, que reúne países asiáticos e caribenhos na defesa do protecionismo agrícola dos países pobres”.

Importante aliada do Brasil no G-20, criado para combater o protecionismo agrícola dos países ricos, a Índia tenta proteger seu próprio mercado agrícola alegando ter 600 milhões de pequenos agricultores que não suportariam a concorrência internacional. “A agricultura para nós não é uma questão comercial mas, sim, de sobrevivência”, declarou recentemente um alto funcionário indiano. “Temos de preservar a agricultura de subsistência.”

Para o Brasil, “o limite aceitável é quando os países em desenvolvimento querem aumentar suas tarifas. Nossos problemas são os grandes países em desenvolvimento com grandes populações agrícolas: China, índia, Indonésia, Filipinas. Temos de ver qual é o limite deles e ver se é aceitável para nós. Lentamente o G-20 deixa de servir os interesses do Brasil”, admite o gerente do Ícone.

Quando foi lançada, em Doha, no Catar, em novembro de 2001, esta foi apresentada como a Rodada do Desenvolvimento ou do Milênio. Na visão brasileira, isto significa reduzir subsídios e baixar tarifas de importação dos países ricos para abrir mercado para os produtos e serviços dos países em desenvolvimento.

Mas a perspectiva indiana é diferente, nota o gerente do Ícone: “Para o indiano, a rodada serve para adequar a OMC aos interesses dos países em desenvolvimento. Isto implica criar mecanismos para aumentar a proteção, as chamadas salvaguardas especiais.”

COLAPSO DA NEGOCIAÇÃO
Como não interessa ao Brasil uma nova onda de protecionismo agrícola, sobretudo de aliados em potencial, um empurrão dos EUA na Índia ajudaria a romper o impasse criado pelo colapso das negociações na última reunião ministerial da OMC, no final do mês passado, que foi incapaz de destravar as negociações.

Este fracasso em Genebra adiou a expectativa de conclusão da Rodada Doha, que deveria terminar no próximo ano, enquanto está em vigor a autorização para promoção comercial obtida pelo presidente George W. Bush junto ao Congresso dos EUA. Isto impede que deputados e senadores emendem acordos comerciais internacionais, o que tornaria impossível sua aprovação.

O Ícone é um instituto de pesquisas privado que assessora o governo e o setor privado nas negociações agrícolas internacionais. Estes estudos técnicos, observa Nassar, orientam as decisões políticas e as posições de negociação.

Por exemplo, “o G-20 pede um corte de 75% nas tarifas de importações agrícolas, tarifa que o açúcar importado do Brasil paga na Europa”, explica o gerente-geral do Ícone. “Com um corte de 80%, exportaríamos também produtos lácteos. Toda a conta foi feita em cima de dois produtos altamente protegidos: açúcar e lácteos”.

É uma grande evolução desde que a agricultura entrou na pauta das negociações do sistema multilateral de comércio, na Rodada Uruguai (1986-94), ainda do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt, da sigla em inglês), antecessor da OMC. Naquela época, o Brasil fazia parte do Grupo de Cairns, formado por grandes exportadores agrícolas como Austrália, Argentina e Nova Zelândia.

“Hoje há uma diferença enorme porque tem gente estudando os diferentes aspectos da negociação”, constata Nassar. “Há uma mescla de preparação política e técnica para negociar na OMC que o governo vai fazendo, com maior participação do setor privado, maior maturidade dos agentes”.

Dentro do Itamaraty, acrescenta, “é como se a OMC fosse um setor à parte. As negociações bilaterais e regionais não estão no departamento econômico”.

A primeira proposta concreta para a negociação agrícola da Rodada Doha foi apresentada em julho de 2003, na preparação da conferência interministeral de Cancún, no México. Como seu autor, o uruguaio Pérez del Castillo, atendeu apenas aos interesses americanos e europeus, surgiu em agosto do mesmo ano o G-20, reunindo grandes países em desenvolvimento como Brasil, Índia, China, Indonésia e África do Sul.

Cancún fracassou por falta de avanço na agricultura. Em 2004, o G-20 amadureceu e conseguiu desmontar a proposta agrícola de Cancún. Sem o G-20, o protecionismo agrícola dos ricos não ficaria tão evidente.

Na conferência interministeral de Hong Kong, na China, no final do ano passado, conta o pesquisador, “a estratégia era pressionar a União Européia, arrancar dos europeus um compromisso com a eliminação dos subsídios à exportação (até 2013) e exigir uma redução de tarifas mais ambiciosa. Os americanos saíram da linha de tiro.
O mesmo foi tentado agora em Genebra com os americanos, responsabilizando-se os EUA pelo fracasso”.

DÓLAR POR DÓLAR
O próprio comissário de Comércio Exterior da UE, o britânico Peter Mandelson, admitiu: “Posso andar na direção do G-20”. Um passo para trás, um recuo, é a pior coisa que pode acontecer a um negociador, analisa Nassar. “É melhor virar a mesa”.

Acuados, os EUA criaram uma linha de defesa, uma fórmula para queda de subsídios em troca de acesso a mercados: para cada dólar de corte de subsídios, os americanos teriam de ganhar um dólar de mercado externo.

“Os EUA deram US$ 3,5 bilhões de subsídio para a soja”, relata o gerente-geral do Ícone. “O Brasil aumentou sua produção mas a produção americana está subindo por causa do subsídio”.

Como os preços das commodities estão em alta, os prejuízos não são tão evidentes. Mas Nassar estima que o Brasil perca de US$ 700 milhões e US$ 800 milhões com o subsídio americano à soja. O Ícone estuda a possibilidade de propor uma reclamação junto à OMC.

Para o Banco Mundial, revela o gerente-geral do Ícone, “a redução de tarifas é mais importante do que a redução de subsídios. Mas os subsídios americanos afetam o preço porque é o maior mercado e porque a produção excedente vai para o mercado internacional. Os EUA propuseram acabar com as tarifas de importação agrícolas. Assumem o compromisso de que não darão mais de US$ 22 bilhões anuais subsídios domésticos. Dão na casa de US$ 18 bilhões. Isto é tática de negociação”.

O G-20 estaria pronto para contrapropor um limite de US$ 12 bilhões, na esperança de chegar a um acordo em US$ 15 bilhões. “Se conseguir US$ 16 bilhões e disciplinas por produto, seria excelente”, pondera o gerente do Ícone.

Na Europa, os agricultores recebem subsídios o tempo todo. Nos EUA, só quando o preço cai.

André Nassar entende que a UE nada tem a ganhar com agricultura em Doha. A reforma da política agrícola comum prevê o fim do subsídios às exportações agrícolas européias até 2013. “O europeu vai continuar dando algo em torno de 70 bilhões de euros por ano”, prevê o pesquisador.

De 1995 a 2004, as exportações agrícolas brasileiras cresceram 5,8% ao ano, abaixo do México (6%) por causa do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e do Chile (6,3%), que tem acordos por todo o lado.

“A exportação cresceu sem acordo nenhum. O Brasil cresceu por aumento da demanda, da China, da Índia, da Rússia, dos EUA”, nota Nassar. “O país tem condições de expandir a produção e teve ganhos de produtividade”.

A agricultura representa apenas 3% ou 4% da produção total do estado de São Paulo mas é fundamental no Mato Grosso, Goiás e Tocantins. O Centro-Oeste é a região que mais cresce. A produção de grãos é importante também no Paraná. Os frangos e suínos estão concentrados no Paraná e em Santa Catarina. Setenta por cento do açúcar e do álcool estão em São Paulo. O fumo é importante para o Rio Grande do Sul.

Hoje o salário não-qualificado na agricultura é maior do que no setor urbano.

Com o desenvolvimento industrial da Ásia, há um grande êxodo rural na China e em breve o mesmo deve acontecer na Índia. Isto aumentará ainda mais a demanda mundial por alimentos importados, reforçando a especialização do Brasil e da Argentina, sem dúvida altamente competitivos em agricultura.

Nenhum comentário: