quinta-feira, 2 de março de 2006

EUA e Índia assinam acordo nuclear e selam parceria estratégica

A viagem do presidente dos Estados Unidos, George Walker Bush, dias depois de uma visita do presidente francês, Jacques Chirac, confirma o status de superpotência emergente da Índia. Com mais de um bilhão de habitantes, crescimento econômico de 8% em 2005 e previsão de 10% em 2006, e armas nucleares, a Índia vence definitivamente o complexo de inferioridade imposto pela dominação colonial.

O acordo nuclear anunciado nesta quinta-feira entre os EUA e a Índia sela uma parceria estratégica entre o país mais poderoso do mundo e a maior democracia do planeta em número de eleitores. Quando a Índia e o Paquistão testaram bombas atômicas, em maio de 1998, assumindo o status de potência nuclear (tinham a bomba desde os anos 70), os EUA adotaram sanções contra estes países, acusando-os de violar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Mas reconhecendo o status de superpotência emergente da Índia, imediatamente o então presidente Bill Clinton iniciou uma aproximação estratégica por baixo do pano.

Com a ascensão irresistível da Ásia, aumentam seu poder econômico e seu poder político. Na visão americana, a Índia é fundamental em qualquer estratégia para conter a China. Os dois gigantes asiáticos, únicos países com populações de mais um bilhão de pessoas, travaram uma guerra de fronteiras em 1962, com vitória do Exército Popular de Libertação da China. Esta derrota acelerou a decisão da Índia de fabricar a mais poderosa de todas as bombas. A China, por sua voz, colaborou com o programa nuclear paquistanês, mantendo o duelo estratégico com a Índia.

Por ter vivido séculos sob dominação do Império Britânico, a Índia é visceralmente anticolonialista. Não aceita uma condição de inferioridade nas relações internacionais. Nunca assinou o TNP, um tratado desigual que tenta congelar o status de potência nuclear ou país sem armas atômicas com base na realidade de 1968, quando foi concluído na sua forma original, revisada nos anos 90 sem alterar este problema fundamental de que cria países de primeira e de segunda classes.

Só os EUA, a União Soviética (hoje sua herdeira, a Rússia), a Grã-Bretanha, a França e a China teriam direito a fabricar e possuir armas nucleares, em troca de um compromisso de total desnuclearização do planeta. Não por coincidência são os países com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, um condomínio de grandes potências criado para administrar as grandes crises internacionais.

A Índia teria a bomba desde 1974 e o Paquistão desde 1975. Israel tem entre 200 e 400 ogivas nucleares. A África do Sul chegou a fabricar a bomba quando era governada pelo regime segregacionista branco do 'apartheid'. Quando a maioria negra chegou ao poder, renunciou à bomba, porque não tem inimigos na região como o governo racista dos brancos tinha. O Brasil e a Argentina assinaram um acordo nuclear em 1991 abrindo seus programas nucleares a inspeções mútuas e internacionais, e aderiram ao Tratado de Tlatelolco, que torna a América Latina uma zona livre de armas atômicas. Quando a Índia e o Paquistão explodiram a bomba, Brasil, Argentina e África do Sul foram apontados como exemplos.

Pelo acordo anunciado hoje, a Índia abre suas centrais nucleares para fins pacíficos à inspeções internacionais mas não as instalações militares. Como não-signatária do TNP, a Índia não está sujeita à fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica.

O acordo precisa ser aprovado pelo Congresso dos EUA, onde pode ser visto como um mau precedente que pode ser invocado pelo Irã, a Coréia do Norte e outros países que os EUA não aceitam que tenham armas nucleares. Reforça ainda a idéia de que uma vez que um país tenha explodido a bomba e entrado pelo clube atômico sobe consideravelmente na escala de poder mundial.

Há um forte estímulo para desenvolver armas atômicas mas isto precisa ser feito em total segredo. Diversos países, inclusive o Brasil, entendem ter o direito de desenvolver todo o ciclo da tecnologia nuclear para fazer a bomba, se necessário um dia para defender a soberania nacional. Este é o pensamento de setores nacionalistas das Forças Armadas e de alguns partidos políticos.

Se tivesse armas nucleares, o Iraque não teria sido invadido. O Irã está sob ameaça de bombardeios cirúrgicos porque está fazendo a bomba mas ainda não a tem. Apesar de sua chantagem nuclear, a Coréia do Norte é tratada com as luvas de pelica da diplomacia. Uma guerra no Leste da Ásia não interessa às potências regionais (EUA, China, Rússia e Japão), muito menos à Coréia do Sul, que seria alvo imediato de uma retaliação norte-coreana, e seria um duro golpe para a estabilidade que garante o milagre econômico asiático.

Com a forte dose de realismo que a pílula amarga da invasão do Iraque obrigou os EUA a engolirem, os deputados e senadores americanos devem entender que este acordo é o possível, dadas as suscetibilidades da Índia e sua decisão de não se sujeitar a potências maiores. Abre caminho para uma ampla cooperação econômica.

A Índia é também uma superpotência em software. Estima-se que quase 3 milhões de empregos americanos sejam terceirizados para Índia até 2015. As relações econômicas são uma parte essencial da parceria estratégica.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nelson, parabens !!
As matérias são , como sempre, muito bem escritas e de fácil entendimento.
Sucesso!
Sy