sexta-feira, 24 de março de 2006

Argentina faz vigília para lembrar golpe que provocou 30 mil mortes

A Associação das Mães da Praça de Maio liderou uma vigília de 100 mil pessoas para marcar os 30 anos do golpe militar que, em 24 de março de 1976, derrubou o governo de María Estela Martínez de Perón, a Isabelita, e impôs uma ditadura sanguinária e um terrorismo de Estado em que 30 mil pessoas foram mortas ou simplesmente desapareceram.

Além de massacrar seu próprio povo, jogando cadáveres no mar e no Rio da Prata, a ditadura militar argentina invadiu as Ilhas Malvinas, entrou em guerra com a Grã-Bretanha e sofreu uma derrota humilhante, em 1982. No ano seguinte, o poder foi devolvido aos civis.

O presidente Néstor Kirchner propôs na quinta-feira uma grande revisão histórica “sem ódios nem vinganças” para reconciliar a sociedade argentina. Na sexta-feira, 24 de março, acusou setores da sociedade civil, como a imprensa, a Igreja e os políticos de cumplicidade "na mais cruel experiência antidemocrática da História argentina".

Aao participar de solenidade no Colégio Militar da Nação, em Buenos Aires, Kirchner defendeu a anulação do decreto do presidente Carlos Menem que indultou os militares e descerrou uma placa em homenagem aos desaparecidos.

Isabelita, última mulher do general Juan Domingo Perón, era uma cantora de cabaré que o caudilho conheceu no exílio, no Panamá, depois do sangrento golpe militar de 1955. Quando voltou à Argentina, em 1973, Perón foi eleito presidente pela terceira vez. Isabelita era sua vice. Quando Perón morreu, em 1º de julho de 1974, ela assumiu.

No governo Isabelita, repetiu-se o confronto entre peronistas de direita e de esquerda que levara à chamada Batalha de Ezeiza, no dia da volta de Perón do exílio. De um lado, esquerdistas com o grupo guerrilheiro Montoneros; do outro, direitistas como a Aliança Anticomunista Argentina (AAA ou Triple A), comandada pelo ministro do Bem-Estar Social, José López Rega.

Acabou em mais uma tragédia argentina com o golpe liderada pelos comandantes do Exército, general Jorge Rafael Videla, e da Marinha, almirante Emilio Massera. Sob o comando de Massera, ocorreram algumas das maiores atrocidades, na famigerada Escola de Mecânica de Armada, no centro de Buenos Aires.

Pelo relatório da Comissão de Investigação sobre o Desaparecimento de Pessoas, criada pelo presidente Raúl Alfonsín (1983-89) depois do fim da ditadura, 62% dos desaparecidos foram seqüestrados em suas casas, enquanto 25% foram pegos na rua em plena luz do dia, inclusive no centro da capital argentina.

Em fato inédito na América Latina, os nove comandantes das três juntas militares que aterrorizaram a Argentina de 1976 a 1982 foram levados a julgamento e condenados. Sob pressão de ameaças de golpe, o governo Alfonsín aprovou as leis Ponto Final e de Obediência Devida. Não haveria julgamento e os crimes tinham sido cometidos por ordens superiores, então o julgamento dos comandantes seria suficiente.

Depois de mais uma rebelião militar, o presidente Menem concedeu indulto aos militares. Kirchner, no poder desde 2003, conseguiu derrubar as duas leis na Justiça. Agora quer anular o indulto para que todos os casos possam ser reabertos. Há pressões também neste aniversário de 30 anos do golpe para que todos os arquivos sobre a ditadura militar sejam abertos ao pública.

A Argentina luta para exorcizar seus fantasmas do passado porque há esqueletos demais que não estão nem no armário.

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